Artigo - Sobre pais e filhos

5/7/2006
Abílio Neto - o criador do Zé Preá

"'De manhã, muito cedinho

Vi meu mano levantar

Acender o candeeiro

Começou a se arrumar

Me dizendo bem baixinho

Mano eu vou viajar

Tu toma conta de mãe

Diz pra ela não chorar


E lá da curva da estrada

Eu vi meu mano acenar

Adeus mano, adeus mano, ai ai

Adeus mano, a bença mãe, ai ai...


Virgem Maria, mãe do Senhor

Tudo morreu, tudo murchou

Peço por Deus paz no sertão

Traz meu irmão, acaba esse horror

Não quero ouvir nunca mais

O mano outra vez gritar:


Adeus mano, adeus mano, ai ai

Adeus mano, a bença mãe, ai ai...'

 

Bença Mãe – Gravação de Luiz Gonzaga

(Autoria: Bob Nelson)

 

Amado Diretor: faz duas semanas que ando entalado porque fui homenageado num poema do Dr. Adauto Suannes, em resposta a um simples comentário poético que fiz sobre o seu belo artigo sobre pais e filhos (Migalhas dos leitoresclique aqui). Realmente aquele artigo me assustou porque eu fui criado no mato, mas dentro de uma moral cristã rigorosa: honrar pai e mãe, não roubar, não matar, etc. E vou citar um exemplo famoso dessa relação pai /filhos aqui no Nordeste que envolve Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e seu pai Januário. Luiz não descansou enquanto não conseguiu levar o velho Januário pro Rio de Janeiro a fim de gravar algumas músicas com sua famosa sanfoninha de oito baixos. Fez isso no começo da década de 50 do século passado e com essa atitude salvou toda a cultura popular sertaneja porque são os únicos registros sonoros de um músico que era uma lenda no sertão pernambucano. Aqueles dois disquinhos com apenas duas músicas de 78 rotações foram digitalizados pelos amantes do forró pé-de-serra: 'Ai, ai, sanfona de oito baixo /do tempo eu que tocava na beira do riacho'... Era Januário tocando e Luiz cantando. E tão grande era esse amor de filho pra pai que, quando em 1978 o velho se foi, Luiz pediu a dois compositores da sua tropa (João Silva e Pedro Maranguape) que fizessem uma música pra dele se despedir como filho e admirador. A música se chama Adeus a Januário, mas cadê o filho conseguir cantá-la e colocá-la no disco de vinil? A sua voz sempre embargava! Terminou sendo cantada no disco 'Eu e meu pai', de 1979, pelo compositor João Silva. Porém com todo o seu exemplo de dedicação a seu pai, o velho Januário tinha alguma queixa, como aquela que foi feita ao sanfoneiro Dominguinhos, lá em Exu, quando Luiz Gonzaga cantava e farreava com seus amigos e aí entoou a música Asa Branca. Foi quando o velho virou-se pra Dominginhos e disse: 'Esta música é minha e este negro safado me roubou'. Não estão mentindo nem Dominguinhos nem o vovô Januário quando lhe contou essa história: a melodia de Asa Branca pertence com todas as honras ao pai de Luiz Gonzaga. A nova letra, essa que todos cantam, é que foi feita pelo inesquecível advogado e poeta cearense Humberto Teixeira. Dr. Suannes, essa é a homenagem que lhe posso prestar, trazer uma história de amor e de algum ressentimento entre pai e filho. A letra da música que abre este comentário bem demonstra pro senhor como no sertão seco e rude nordestino, a relação pai /filhos /irmãos é necessariamente de muito sentimento, ou pelo menos era assim. Fraternal abraço,"

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