Artigo - Das ações aos bitcoins e quejandos (Uma peregrinação da racionalidade para a irracionalidade econômica)

10/1/2018
Saulo Gonzaga da Cruz Pereira

Analisei o texto do autor e pus aqui algumas reflexões sobre o assunto bitcoin esperando que não sejam interpretadas como ofensivas (Migalhas 4.270 - 8/1/18 - "Reino dos bitcoins" - Clique aqui).

Em primeiro lugar, se o bitcoin fosse a passagem para o inferno (como o autor sugere), a filosofia adolescente de Nietzsche estaria correta, pois Deus teria morrido há muito tempo.

Como muitos sabem, o bitcoin foi criado em meados de 2009 por um pseudônimo chamado Satoshi Nakamoto. Com o passar dos anos, surgiram várias pesquisas e documentários apontando o criador - ou criadores, pois suspeita-se que possa ter partido de um grupo de programadores, assim como os chamados Cypherpunks, ou seja, um movimento de anarquistas que utilizam a criptografia para desenvolver meios de fugir do que eles consideram 'garras antiéticas, imorais e agressoras' do Estado.

A ideia estruturante do bitcoin é utilizar a internet como ferramenta de descentralização do sistema monetário. Desta maneira, ao contrário do que imagina o autor do texto, o bitcoin não alcançou 20 mil dólares da noite para o dia sem razão alguma como se fosse uma estrela cadente aleatória no espaço.

O texto ignorou completamente o fato de que desde o momento em que o sistema foi iniciado em 2009, NUNCA, repito, NUNCA houve uma única fraude no sistema Blockchain. O Bitcoin está 24 horas por dia, 7 dias por semana, em plena atividade desde o primeiro minuto em que foi acionado. Sendo assim, desafio qualquer leitor a se aprofundar sobre em que consiste a BLOCKCHAIN (o segredo do sucesso do bitcoin) e depois não se sentir extasiado com a revolução financeira que essa tecnologia pode causar.

A blockchain funciona como um livro razão de contabilidade, ou se preferir, um cartório que registra cada movimento, cada transação, desde o momento em que o 'minerador' obtém sucesso na resolução do cálculo matemático, ou seja, desde o 'nascimento' do bitcoin, todos os seus passos são registrados de forma absolutamente transparentes na blockchain e podem ser consultados a qualquer momento através de sites como blockchain.info.

A função do minerador pode ser resumida sob duas formas: 1) Resolver o cálculo matemático e gerar bitcoin até que seja atingido o limite de 21 milhões de bitcoins; 2) Utilizar sua força computacional para validar transações realizadas pelos usuários do sistema. Em ambas as situações, o minerador será recompensado com prêmio pago em bitcoin.

Cada vez que um usuário transfere bitcoins (ou frações de bitcoins) para outro, são necessárias 6 validações (confirmações) que deverão passar necessariamente por 6 mineradores. Assim, o sistema evita fraudes ou qualquer tentativa de gasto duplo utilizando o mesmo bitcoin. Segundo a FoxBit, estima-se que caso alguém esteja disposto a se aventurar fraudando o sistema blockchain após a validação da transação, teria que desembolsar milhões ou até bilhões de dólares para uma única tentativa de manipulação da transação, tendo em vista a necessidade de energia e força computacional a ser empregada. Logo em seguida, a identificação do bloco seria facilmente descoberta no sistema e todos migrariam para outro bloco de mineração sem a interferência do fraudador. Ou seja, o resultado final seria inócuo.

Considerando que desde 2009 o sistema vem provando ser incorruptível, infraudável, transparente, seguro, rápido e mais barato do que inúmeras taxas de transações financeiras observadas no mercado, não é difícil cogitar o porquê dessa moeda vir acumulando tanto valor ao longo do tempo, atingindo incríveis 20 mil dólares neste ano.

O que está acontecendo com a moeda digital é algo até bastante simples de explicar, além da especulação natural como ocorre em qualquer ativo financeiro. Cada vez que especialistas se debruçam sobre como funciona a essência de sua tecnologia, o bitcoin ganha mais adeptos. Não por acaso, o CME Group, líder mundial do mercado de derivativos, e a bolsa de Chicago - Chicago Board Options Exchange (CBOE) se renderam aos feitos do bitcoin. Nesse sentido, o mercado de criptomoedas já ultrapassou a marca dos 700 bilhões de dólares em volume de negociação, e já incomoda players gigantescos do mercado financeiro.

Hoje já é possível adquirir comida, carro, casa, reserva de hotel, passagem de avião, vestuário, e uma variedade infinita de coisas utilizando o bitcoin. Afirmar que existe apenas demanda e não existe oferta é uma falácia que não se sustenta perante uma simples pesquisa no Google. Se isso não for um marco na história do sistema monetário, eu não sei mais o que é.

Sobre a crítica já bem desgastada de que o bitcoin é uma ferramenta de auxílio do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro, faço-lhes o seguinte questionamento: nesse exato momento, há centenas de milhares de transações em real, dólar, euro, etc. destinadas à prática de crime de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Deveriam estas moedas também ser extintas porque algum ou alguns a utilizam de forma criminosa e indevida?

Outra crítica bem batida é sobre hackers e segurança. Geralmente as pessoas se esquecem do detalhe de que os roubos de hackers foram praticados contra Exchanges (nomenclatura para uma espécie de casa de câmbio de bitcoin), e qualquer usuário que não seja amador sabe que não é seguro deixar bitcoins armazenados em Exchange. O ideal é sempre guardá-los em carteiras virtuais e, caso ainda haja uma preocupação excessiva, já é possível ter 100% de segurança contra hackers, utilizando carteiras de hardware, ou seja, o bitcoin é extraído da internet para uma espécie de pendrive, tornando-o imune à vulnerabilidade das redes.

O bitcoin não foi desenhado para ser uma empresa na qual existem acionistas, controladores e CEO. O bitcoin foi pensado para ser um poderoso instrumento de trocas voluntárias utilizando outra grande e conhecida revolução tecnológica: a internet!

O que muitos consideram defeito, os adeptos do bitcoin consideram uma qualidade brilhante. Por exemplo, o fato de não haver regulação, banco central ou um emissor oficial.

Os utilizadores mais conscientes do bitcoin querem justamente se proteger da intervenção política dos governos perante suas moedas fiduciárias que, por natureza, são de curso forçado, uma vez que impostas goela abaixo dos cidadãos. Estes, sim, não possuem qualquer garantia de que o próximo burocrata eleito e ‘iluminado’ não irá fazer uma lambança homérica na economia e na moeda corrente.

A Venezuela é apenas um dos exemplos cristalinos disso, pois no momento em que o ditador Nicolas Maduro desvalorizou o bolívar venezuelano, através de intervenções econômicas, até transformá-lo em pó, nenhum venezuelano pôde fazer absolutamente nada. A resposta veio em seguida com uma explosão do crescimento de usuários de bitcoin por todo o país. Sendo assim, os venezuelanos foram se proteger da inflação galopante causada pela emissão irresponsável de dinheiro justamente usando a criptomoeda que está imune de qualquer manipulação política.

Para entender o sucesso do bitcoin é necessário buscar os fundamentos mais básicos da economia e da forma como funciona a ideia de dinheiro: a escassez, a utilidade e a facilidade de troca.

Por que o bitcoin tem valor? Porque é um bem virtual artificialmente escasso elaborado através de um sistema de criptografia até o presente infraudável: só podem existir 21 milhões de bitcoins.

Por que utilizá-lo como meio de troca? É acessível ao toque de um celular smartphone, possui taxas baratas, além de um sistema monetário seguro, transparente, protegido contra intervenções políticas estatais destrutivas tais como a inflação.

Qual a facilidade de troca? Através da internet, é possível enviar/transferir valor para qualquer parte do mundo, quase instantaneamente, por um custo irrisório. Será que vale a pena apostar numa tecnologia assim? Risos.

Por fim, antes de sentenciarem o bitcoin à morte, pesquisem e reflitam se a estrada para a liberdade não vale a pena ser percorrida.

Finalizo o texto com a lição de um gigante: 'Toma cuidado com o homem de um só livro' (São Tomás de Aquino).

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