Artigo - A questão das quotas nas universidades e sua ineficácia para um verdadeiro acesso ao ensino superior

18/7/2006
Christianne Boulos

"A discussão há muito recorrente e ora em evidência do estabelecimento de quotas para acesso ao ensino superior público, consoante critérios outros que não o mérito dos candidatos, sempre foi e será polêmica (Migalhas 1.455 – 17/7/06 – "Cotas nas universidades", Francisco das Chagas Lima Filho – clique aqui). Creio, no entanto, que, da forma como a questão é debatida, deixam-se de lado alguns aspectos essenciais. Destaco, primeiramente, que o fascínio pelo 'diploma universitário', embutido no discurso e nos ouvidos daqueles que o acolhem, é ilusório. O ensino superior de índole acadêmica não é garantia de inserção social ou no mercado de trabalho: basta ver quantos são os portadores de 'diploma' das mais respeitadas instituições de ensino superior que não trabalham em suas áreas de formação, ou que sequer ativos economicamente estão. Isso, em muito, se deve à falta de conexão entre a formação acadêmica e as necessidades contemporâneas desse mercado de trabalho. O ensino tecnológico, de nível superior, e o ensino técnico, de nível médio, têm maior capacidade de responder a essas necessidades, tanto qualitativa, como quantitativamente; infelizmente, no entanto, esse parece ser um discurso com menor apelo do que o já difundido e falacioso do 'diploma universitário'. De qualquer forma, seja qual for o caso, necessário um investimento anterior, prévio ao acesso aos níveis médio e superior, no ensino fundamental. A Constituição diz, em seu art. 205, que a educação será promovida com a colaboração da sociedade (outro aspecto que se olvida!), com vistas ao desenvolvimento da pessoa, ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho: como atingir a todos esses objetivos, se se descuida do essencial, por essa razão mesma dito ensino 'fundamental', para se discutir aquilo que só faz sentido uma vez alcançado o sucesso no primeiro nível? Entendo, assim, que, enquanto se queimam esforços e se gastam latim e inglês na importação de experiências de resultados duvidosos, perde-se o foco central do problema. E se, por outro lado, se quiser dizer que a questão não é de inserção social ou obtenção de vaga no mercado de trabalho, mas sim de satisfação pessoal, então cabe outra pergunta: seria legítimo o Estado investir recursos para satisfazer pessoalmente os indivíduos na área educacional? Afinal, o que se discute é, principalmente, o estabelecimento de quotas nas instituições públicas de ensino superior, federais e estaduais. Os deveres do Estado, no campo educacional, são bem outros, como uma leitura dos dispositivos constitucionais pertinentes, notadamente art. 208, deixa transparecer. Aliás, na única referência de seus incisos ao ensino superior, prevê o art. 208 que o acesso aos níveis mais elevados de ensino se dará segundo a capacidade de cada um. E a questão, então, do estabelecimento de quotas para acesso ao ensino superior segundo quaisquer outros critérios que não o mérito de cada um, ao menos nos estabelecimentos mantidos pelo Estado, sequer se deveria apresentar..."

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