Lula

10/4/2018
Cleanto Farina Weidlich

"Recebemos aqui na terra do peixe cará pequeno ou do rio aqui rasinho, uma mensagem de 'pombo correio', que o Lula será solto amanhã! E junto com essa 'carta' recebi do amigo Francimar (que se encontra além mar, onde foi assistir a chegada da sua neta Isabella), a seguinte mensagem: Plácido Fernandes rever prisão em 2ª instância é golpe na Lava Jato. Há magistrados que desdenham da capacidade de pessoas sem formação em Direito interpretarem o que está escrito na Constituição. Pura arrogância. Qualquer cidadão alfabetizado é capaz de entender o disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna. E é isso que incomoda e desnuda, aos olhos da nação, meritíssimos que fingem sapiência jurídica para tentar impor um entendimento diferente do que está no texto constitucional, que diz: 'Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de ação penal condenatória'. Percebam que o trecho não fala em 'ninguém será preso'. E por que não fala? Porque não é disso que se trata. A questão específica da prisão é tratada no inciso LXI, do mesmo artigo 5º, que dispõe: 'Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei'. Poderá alegar, o supremo magistrado, que o inciso LVII, ao estabelecer 'o trânsito em julgado' como imperativo para estabelecer a culpa de um réu, implica o juízo de que a presunção de inocência (preste atenção no termo) só acaba após o último recurso possível passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, quarta instância da Justiça brasileira. Falso. Refaça atentamente a leitura do inciso. Veja que ele versa expressamente sobre o 'trânsito em julgado da ação penal condenatória'. E, pelo que dispõe a Constituição, nem o STJ nem o STF 'julgam' (atenção no verbo julgar) ações penais de cidadãos de segunda categoria, apenas de excelências com foro privilegiado, as quais a lei quase nunca alcança. Logo, como bem demonstrou Teori Zavascki em fevereiro de 2016, o 'trânsito em julgado de uma ação penal condenatória' se exaure na segunda instância, após garantido ao réu de ampla defesa, como ocorre em praticamente todos os países democráticos. Afinal, a partir da condenação em primeira instância já não existe mais 'presunção de inocência', mas de culpa. E, depois de concluído o devido processo legal no segundo grau de jurisdição, o que há são recursos especiais e extraordinários de outra natureza. Quase sempre, de cunho apenas protelatório: o óbvio. Não é à toa que funciona assim em todo o mundo civilizado. Se quisesse dizer que ninguém pode ser preso até o STF dar a palavra final, o constituinte teria escrito isso, com todas as letras, na Constituição. Não escreveu porque se trata de uma aberração jurídica. Mas tudo isso é só para salvar Lula? Claro que não. Político mais popular da história recente do país, Lula entra como boi de piranha. A desculpa de que a elite delinquente do Brasil precisava para ampliar a impunidade sob as asas do Supremo, pondo fora do alcance da lei também criminosos ricos e poderosos. Além dessa gente, os únicos beneficiados serão os grandes escritórios de advogacia criminal. Essa manobra, se for adiante, significará um golpe de morte na Lava Jato e no combate ao crime dos que sempre saquearam os cofres do país. O crime de Lula? Aliar-se a essa elite e aprofundar, em escala inimaginável, o roubo de dinheiro público. São os pobres os que mais sofrem quando se rouba dinheiro que tanta falta faz à educação, à saúde e à segurança pública. Mas só Lula vai pagar? Não. Até agora, a Lava Jato julgou, condenou e prendeu mais de 160 réus. Praticamente, todos os bandidos, de esquerda e de direita, sem foro privilegiado. Falta o STF fazer a parte dele. Para isso, basta que cumpra o que determina a Constituição e acabe com o foro especial. Afinal, é o que manda o enunciado do artigo 5º da Carta Magna? 'Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza'. Certamente, a cláusula mais importante da Lei Maior do país. Pena que seres supremos a tratem como letra morta e tentem nos enfiar goela abaixo um entendimento que, felizmente, não está na legislação. O jornalista Plácido Fernandes é editor-executivo do jornal Correio Braziliense. Daí me veio à lembrança, um diálogo com a então aluna e filha Jana. Estava ela às voltas com o arremate de ideias para entregar um artigo jurídico, com tema da Faculdade de Direito. A questão de fundo era o 'acesso à educação de qualidade', tendo como moldura o texto constitucional, e o tal arremate ficou assim: o problema do Brasil, não é a falta de competência para fazer a coisa certa, é o excesso para fazer a coisa errada (frase que atribui se não me engano ao Ziraldo), e por último, todos são iguais perante a lei, porém, tem uns que são mais iguais que os outros. Me parece que é o retrato das decisões do STF, quando em alguns julgamentos, se atreve a uma leitura diagonal da Constituição Federal. Analfabeto não é aquele que não sabe ler, analfabeto, é aquele que sabe, mas lê errado, e o que é pior, com sobra de conhecimentos para ler certo, para compreender, para tentar ajudar a colocar o país nos trilhos, mas não, e o exemplo que trago, são os diversos habeas corpus concedidos a diversos réus, especialmente, pelo ministro Gilmar Mendes, em decisões monocráticas, de duvidosa isenção e imparcialidade, sem falar nos danos que são proporcionados na outra ponta, com a eliminação de provas, e a continuidade da ação delitiva de todos os implicados. Ao final, uma interrogação por amor ao debate e esclarecimento desse humilde rábula aprendiz: Os crimes denunciados e já com provas materiais angariadas nos inquéritos e processos, acerca da questão do decreto dos Portos, por terem sido em tese, praticados durante o exercício do mandato presidencial, podem resultar em decreto da prisão do senhor presidente da República? E ainda, em razão do coronel Lima, ter se negado a colaborar com a Justiça, não se deixando interrogar, não seria essa uma razão jurídica de suficiente potência jurídica, para o decreto a sua prisão preventiva?"

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