Lula

20/7/2018
Milton Córdova Junior

"O Tribunal Superior Eleitoral é corresponsável pelo recrudescimento e insistência da chicana jurídica que se estabeleceu neste país, para tirar Lula da prisão, evidentemente incentivada pelo próprio detento (Migalhas 4.401 - 19/7/18 - "Parto prematuro" - clique aqui). Na noite de 29 de maio de 2018 o TSE se apequenou (melhor dizendo: se acovardou), quando rejeitou analisar a consulta 0600234-94.2018.6.00.0000, do deputado Federal Marcos Rogério, que indagava sobre a possibilidade ou impossibilidade de réus em ação penal poderem assumir o mandato de presidente da República, caso eleitos. Foi uma consulta clara, objetiva, abstrata, imparcial. Mas o TSE decidiu não decidir aquilo que é por demais óbvio: réus não podem assumir a presidência da República (Hélio Schwartsman, na Folha de São Paulo, levantou essa tese pioneiramente, em 'A Outra Ameaça a Lula-18', em 25/7/2017). A referida consulta foi corretamente formulada, por analogia ao caso do senador Renan Calheiros, então presidente do Senado Federal, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal (dez/2016) deliberou, em sede cautelar, que ele (Renan Calheiros) não poderia assumir a presidência da República (ADPF 402), mesmo integrando a linha sucessória presidencial (art. 80, CF/88), pelo simples fato de ser réu em ação penal. Registre-se que o ex-presidente Lula, que seria beneficiado pelo golpe, não é réu em apenas uma ação penal; é réu em cinco ações penais e condenado em outra, em decisão colegiada! A omissa sessão do TSE, naquela fatídica noite de 29 de maio, envolvendo tema de elevada relevância político-eleitoral (o que agora se comprova!) e nacional, não demorou três minutos. A consulta formulada pelo deputado Marcos Rogério foi feita em abstrato, clara, objetiva. Estranhamente o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do caso, amparado por inadequado fundamento apresentado pelo ministro Tarcísio Vieira ('não convém responder a esse tipo de consulta porque estaríamos engessando a nossa própria atividade jurisdicional no momento próprio') considerou faltar o requisito da abstratividade. Assim, em incabível tergiversação, tentando justificar o injustificável, o ministro Napoleão afirmou que 'o pronunciamento do tribunal poderia incidir sobre casos concretos, antecipando entendimento em matéria a ser debatida apenas na apreciação de eventual pedido de candidatura'. Ora, é por demais óbvio que 'esse tipo de consulta' pode e deve incidir sobre possibilidades e casos concretos; porém somente incidirá nos momentos oportunos, futuros, caso esses ocorram. Não se consulta sobre o impossível. Por essa razão inúmeras consultas já aportaram no TSE, ao longo dos anos, envolvendo (possíveis) casos concretos. Citamos alguns: 1) a verticalização das coligações partidárias nas eleições; 2) condições de elegibilidade/inelegibilidade de parentes ou pessoas próximas de detentores de mandatos no Executivo; 3) elegibilidade/inelegibilidade de ex-cônjuges de detentores de mandatos no Executivo; 4) possibilidade de eleição ou inelegibilidade de cônjuge de detentor de mandado consecutivo que faleceu durante este (que poderia configurar 'três mandatos consecutivos no âmbito do mesmo núcleo familiar'). Essas consultas, todas debatidas e respondidas pelo TSE, produziram efeitos sobre casos concretos que se desenhavam. Naquelas ocasiões, em nenhum momento o TSE tergiversou ou absteve-se de analisa-las, em razão de suposta 'antecipação de entendimento em matéria a ser debatida apenas na apreciação de eventual pedido de candidatura' ou por 'engessamento da atividade jurisdicional'. Naquela fatídica noite, estranhou-se (e muito) o silêncio atípico do vice-procurador-Geral Eleitoral, responsável pela apresentação de excelente recurso para que o caso fosse levado ao Plenário da Corte Eleitoral. Do referido recurso, destacamos os seguintes trechos: '18. Havendo fundada dúvida sobre regra aplicável exclusivamente pelo Tribunal Superior Eleitoral apenas para candidaturas presidenciais em senda aberta pelo Supremo Tribunal Federal, é de todo esperável que a Corte Eleitoral se pronuncie o quanto antes sobre o tema – sobretudo na via singular da Consulta–ao invés de forçar todos os postulantes aos custos e riscos de montagem de uma campanha presidencial cuja viabilidade jurídica o Tribunal Superior Eleitoral reserva-se a apreciar apenas na proximidade do pleito'. '19. A surpresa quanto às regras das disputas eleitorais é mais perniciosa até mesmo que uma regra eleitoral ruim. Não por outro motivo, a Constituição prevê a anualidade para as regras eleitorais'. '20. A Consulta ora em testilha deduziu, sim, uma dúvida em matéria eleitoral forte e decisiva, capaz de influir decisivamente no pleito e que urge ser espancada o quanto antes para higidez e serenidade políticas do pleito'. 'Na peça recursal também foi transcrito excerto do voto do ministro Celso de Mello, na ADPF 402 (no julgamento do STF que impediu Renan Calheiros de assumir a presidência da República, por ser réu em ação penal): 'Em uma palavra: se o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado Federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal tornarem-se réus criminais perante esta Corte Suprema, em razão do recebimento de denúncia ou de queixa-crime, ficarão eles impedidos de exercer, mediante substituição, o ofício de presidente da República, pois nada poderá justificar que meros substitutos eventuais desempenhem essa função quando a Constituição simplesmente nega ao próprio titular do mandato presidencial essa possibilidade'. Ora, não é por outra razão que a consulta ingressou no ordenamento jurídico brasileiro (inciso XII do art. 23 do Código Eleitoral). Dirimir duvidas sobre possíveis eventos antes que esses aconteçam. Não fosse essa circunstância, não haveria qualquer razão para a existência da Consulta Eleitoral. Como antes afirmado, não se consulta o impossível, o inexistente; a consulta eleitoral incide sobre aquilo que é provável, sobre o que é possível, enfim, sobre aquilo que pode ocorrer, de forma que a afirmação de que o resultado de uma consulta tem o condão de 'engessar atividade jurisdicional' é inoportuna e teratológica, pela própria razão da existência da Consulta Eleitoral. Em virtude da sua omissão na consulta formulada pelo deputado Marcos Rogério, o Tribunal Superior Eleitoral também tornou-se responsável pela vergonhosa chicana jurídica (tentativa de golpe) no TRF-4, tramada nos porões do PT, para libertar o condenado Lula, convenientemente articulada por parlamentares que contaram com a licenciosidade de um desembargador daquele Tribunal. O que mais espanta no caso do condenado Lula, que mesmo preso está em flagrante campanha eleitoral, debochando e escarnecendo da sociedade, é a leniência inconcebível que lhe é destinada pelo Judiciário, que já deveria ter adotado as devidas medidas para conter ou mitigar toda e quaisquer chicanas jurídicas - medidas essas que deveriam ser adotadas inclusive em relação aos advogados do condenado. No Distrito Federal, por muito menos o ex-senador Luiz Estevão e Geddel Vieira foram transferidos nessa semana para uma penitenciária, em ala de segurança máxima. Fica a sugestão."

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