Delegacias de atendimento à mulher

21/1/2019
Alexandre Cordeiro de Brito

"Uma das promessas de campanha do então governador de São Paulo, visava o atendimento de demanda antiga, qual seja o aumento no número de atendimentos à mulher que sofre violência doméstica, inclusive a de abertura das Delegacias da Mulher 24 horas por dia também nos finais de semana e feriados. Hoje são 133 as delegacias especializadas e o atendimento se dá das 9 às 18h, conforme informação disponível no sítio eletrônico da Polícia Civil. Apenas uma delas, localizada na praça da Sé conta com atendimento 24 horas. O governador, pressionado pela opinião pública, anunciou a abertura de mais quatro em horário integral. Ora, amigos, que promessas de campanha foram feitas exatamente no intuito, em sua grande maioria, para ludibriar o eleitor e não serem cumpridas, isso é fato. Porém, mais do que isso, é necessário que analisemos por primeiro a fundamentação do veto, mesmo que de forma superficial e sem 'juridiquês' . Vejamos. O nobre governador vetou o projeto de lei afirmando ser inconstitucional, bem como em não poder o Legislativo interferir em matéria administrativa de competência do Executivo. Sem entrar em matéria teórica de ordem Administrativa ou Constitucional, entendo que algumas observações, por quem acompanha a questão de perto, no dia a dia, devam ser feitas. Como de conhecimento dos operadores do Direito, notadamente aqueles que militam na área do Direito Penal, diversas são as dificuldades práticas experimentadas pelos cidadãos ao procurar uma delegacia de polícia. Não raras as vezes, quando conseguem esperar por horas a fio, as vítimas desistem da elaboração de Boletins de Ocorrência devido a demora e o pouco caso (com exceções). Plantões policiais são verdadeiros martírio para os advogados, quiçá para vítimas. Não foram poucas as vezes que presenciei, aguardando para elaborar BO ou acompanhando flagrantes, chegarem mulheres vítima de violência doméstica, trazidas pela Polícia Militar ou por parentes/amigos, no intuito de ver um seu direito garantido, o da vida. A surpresa desagradável se dá, como disse com exceções, ao presenciar, por primeiro a demora inconcebível no atendimento de demandas que deveriam ter preferência sobre as demais, não que os demais crimes deixem de ter importância. O que vislumbramos em 99% das situações é a mulher chegando após violência moral, psicológica ou física e ouvindo, como primeiro sinal de boas-vindas: sente e aguarde, pois estamos com um escrivão, este está 'fazendo flagrante' e vai demorar. Após horas, não é difícil ouvir policiais aconselhando a 'deixar para lá' e conversarem as partes, posto que a elaboração do Boletim de Ocorrência 'não dará em nada' ou que, na pior das hipóteses, o agressor será condenado ao pagamento de uma cesta básica, o que não deixa de ser mentira. Cheguei a presenciar mulheres sendo 'aconselhadas' por policiais também mulheres, por mais absurdo que possa parecer! Essa vexatória situação é exibida, inclusive, em reality show apresentado em TV aberta. Os casos de 'desinteligência' abordados pela Polícia Militar onde, novamente em 99% dos casos, as partes são 'orientadas' a procurar o 'fórum' depois ou tentarem resolver entre elas. Justificativas do tipo 'poderíamos estar fazendo ronda atrás de bandidos, mas temos que resolver briga de marido e mulher' praticamente condenam as verdadeiras vítimas. Há como defender esses policiais? Acredito até que sim. Falta preparo específico para lidar com esse tipo de situação, falta boa vontade do Estado em investir nessa alegada preparação. São policiais desmotivados, que sabem que igualmente irão 'sofrer' a espera interminável para elaboração da ocorrência, já que a definição de importância é ditada pela autoridade de plantão, quando esta está no DP. Alguns concordarão e outros acharão absurdas tais colocações, não é? Ocorre que infelizmente é a verdade do que ocorre. Como agir, como defender um direito após a negativa do Estado em protege-lo? Como recuperar uma vida perdida, uma violência praticada após a irresponsabilidade daqueles que deveriam estar na linha de frente? Quem garantirá, posteriormente, a validade da palavra da vítima que teve um direito cerceado? Quem comprovará ter ocorrido violência anterior, já que não houve registro por parte do Estado? Na maioria das vezes apenas a palavra do Policial, seja ele Civil ou Militar é adotada como única prova para condenação, isso é sabido e ressabido. E nos casos em que 'acordos' ou negativas de registro de ocorrência? E se não houver testemunha? O policial atenderá o chamado da vítima, informando que deixou de registrar quando procurado o Estado, por desídia? Quem garantirá à vítima o direito de ter informado às autoridades o ocorrido? Questões que ao meu singelo ver são infinitamente mais relevantes do que rixas políticas, do que picuinhas eleitoreiras. O veto somente trará ainda mais expectativa da mulher sobre uma efetiva e eficiente proteção, principalmente nos momentos de descanso do Estado, que não poderá ser perturbado sem que o orçamento seja revisto, sem que 'estudos' (milhares já realizados demonstrando a urgência) sejam feitos pelos experts, sem que se veja como fazer a devida propaganda usando a vida de centenas de mulheres abandonadas à própria sorte enquanto Partidos Políticos brigam por puro preciosismo. Oremos."

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