Voto secreto

6/9/2006
Wallace Paiva Martins Junior – 4º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital/SP, Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Professor de Direito Administrativo da Unisanta e da ESMP/SP

"Senhor Redator: A respeito da extinção do voto secreto no Congresso Nacional quero observar que a medida foi defendida em minha tese de doutoramento em Direito do Estado, aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e consta do livro que fiz publicar a respeito (Transparência Administrativa, São Paulo: Editora Saraiva, 2004), que, humildemente, penso possa contribuir ao debate, nos seguintes termos:

'Numa democracia que prestigia a publicidade e a motivação dos atos estatais, bem como a participação popular na definição das políticas públicas e na gestão da coisa pública, é incompatível a forma secreta e residual de tomada de decisões. Havendo rol numerus clausus da sigilosidade estatal1,  a regra é a da mais completa abertura do processo de tomada de decisões no âmbito das funções parlamentares e legislativas. Na esfera dos direitos políticos, a sigilosidade do voto (art. 14, da Constituição Federal) protege a liberdade de consciência, de cidadania e de preferência política do cidadão, imunizando-o dos recursos nocivos do abuso do poder político e econômico no processo eleitoral. A sigilosidade do processo de tomada de decisões pelos órgãos estatais não tem idênticos fundamentos aos dispensados à tutela do cidadão, pois é reduzida a dois pressupostos: prejuízo ao interesse social e à privacidade e a imprescindibilidade em face da segurança social ou estatal. Salvo as expressas ressalvas constitucionais compatíveis com o princípio democrático, as decisões administrativas ou parlamentares não podem ser tomadas sigilosamente, pois não se trata de evitar ou alijar pressões sobre administradores ou parlamentares. No exercício dessas funções, é natural elemento a pressão de grupos organizados ou não. A transparência das ações destes é melhor à higiene do processo.

 

O caráter sigiloso atribuído na própria Constituição a certos atos da vida pública2 é incompatível com a estrutura do Estado Democrático de Direito e com as bases orgânicas das relações entre o Estado e os cidadãos ou entre os Poderes do Estado. Réplicas, decorrências e outros expedientes similares desses atos sigilosos não se conformam com o estatuto jurídico constitucional, fundado na transparência. Impossível sua adoção nos instrumentos de participação popular no processo de tomada de decisões administrativas' (pp. 337-338). 

 

1Constituição Federal: art. 5º, incs. X,  XII, XIV, XXXIII, XXXVIII, LX, art. 52, incs. III, IV e XI, art. 53, § 3º, art. 55, § 2º, art. 66, § 4º.

2Por exemplo: aprovação parlamentar da indicação para investidura (e exoneração) em altas funções públicas (art. 52, incs. III, IV, XI), manutenção ou relaxamento de prisão em flagrante de parlamentar (art. 53 § 3º), perda do mandato parlamentar (art. 55 § 2º) e apreciação ao veto a projeto de lei (art. 66 § 4º).   

Saudações."

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