Freud explica – caso assessor especial da presidência da República, sr. F. Godoy

20/9/2006
Renato Ayres Martins de Oliveira – advogado, C. Martins & Advogados Associados S/C

"Prezados Senhores, É duro confessar, mas tantos são os escândalos que assolam a já tão enlameada política nacional que sinceramente receio possa chegar o dia em que não mais teremos capacidade de nos indignar com tamanhos abusos e assaltos aos cofres públicos, que não é dos parlamentares de ocasião nem dos integrantes momentâneos do Palácio, mas do povo. Já vieram a público os mensalões, a máfia das sanguessugas, a máfia das ambulâncias, a fraude na edição das cartilhas governamentais, mais recentemente a compra de dossiê, entre vários outros que é escusado citar. Imaginemos quantos escândalos mais não estejam ainda guardados a sete chaves (ou a nove, a dez ... em termos de superfaturamento o governo é hors concours). A putrefação é tamanha que não há um só lugar nesse imenso Brasil em que se escape do inebriante aroma que exala do Planalto Central. Tenho curiosidade por saber qual o limite da nossa capacidade de nos surpreender com todos esses desmandos contra a coisa pública. Parece até que os parlamentares e o governante-mor nos testam propositadamente, talvez, quem sabe, por também eles comungarem dessa mesma curiosidade que nos assola. Todos os escândalos até aqui revelados são extremamente graves, mas o povo não parece se importar com tudo o que vem acontecendo, desde que o preço do feijão e do arroz continue barato e que persistam os auxílios mensais (auxílios-indignidades) distribuídos sistematicamente pelo governo. O que será que mais precisa acontecer para que se exija que as coisas voltem ao prumo, de onde nunca deveriam ter saído? A esse propósito, acabo de ler uma recente obra do escritor lusitano José Saramago ('As Intermitências da Morte') em que -  confesso que senti uma sensação estranha - parecia estar tomando como paradigma o Brasil de hoje. Não é incomum que estejamos a ler textos antigos (que o digam os apreciadores de Rui Barbosa) e pensemos que fora feito para a ocasião presente, não fosse o fato de sabermos que, afora sua atualidade, têm eles, muitas vezes, mais idade do que nós mesmos. Foi exatamente essa a sensação que experimentei ao ler o seguinte trecho da literatura citada: 'Poder-se-ia pensar que, após tantas e tão vergonhas cedências como haviam sido as do governo durante o sobe-e-desce das transacções com a máphia, indo ao extremo de consentir que os humildes e honestos funcionários públicos passassem a trabalhar a tempo inteiro para a organização criminosa, poder-se-ia pensar, dizíamos, que já não seriam possíveis maiores baixezas morais. Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem atender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a lógica imperativa do alvitamento venha a demonstrar, afinal, que ainda havia uns quantos degraus para descer.' (p. 59). No caso do livro, o país em que o governo negociava com a 'maphia' era fictício, mas bastava ao escritor que lhe desse o nome de Brasil para instantaneamente os livreiros serem obrigados a mudar a obra para as prateleiras destinadas aos contos de 'não-ficção'.  Cordialmente,"

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