Artigo - Interrogatórios e depoimentos pessoais

5/10/2006
Pedro José F. Alves

"Considero que o Desembargador Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues aborda com propriedade e oportunidade um tema muito interessante, mas que sempre foi objeto, por exemplo, de minhas preocupações (Migalhas 1.511 – 5/10/06 - "Interferência do advogado" – clique aqui). Assim que, JAMAIS arrolei 'testemunha' sem que, antes, eu a ouvisse em meu Escritório. E tal oitiva JAMAIS se fez para 'orientá-la', porque sou contra o 'meio', mas exatamente para avaliar onde meu Cliente estava pisando ou para onde poderia ir. Assim que, em diversas ocasiões, descobri fatos em que a 'visão' humana de um testemunho ocular foram afetados pela experiência humana ou pelo próprio pânico que dominou a Testemunha, ao pressentir o deslinde trágico do que assistia. Em uma ocasião, por exemplo, ao constatar que ao amanhecer uma pessoa pedalava sobre uma bicicleta no meio de uma rodovia estreita, que mal daria para se cruzarem um enorme carreta transportando soja e o ônibus em que se encontrava, a 'Testemunha', que pouco antes do acidente com o ciclista fechara os olhos, em função da intensidade dos faróis da carreta, descreveu o acidente em que faleceu o ciclista como o resultado de seu 'sugamento pelo vácuo produzido no exato cruzamento dos dois veículos em sentido contrário, estando ele no meio deste cruzamento'. Ora, convicto de que o ciclista tinha sido atingido nas costas pela carreta, que o arremessou para frente contra o ônibus, procurei 'explorar' com a Testemunha a descrição que me fazia. O resultado foi que a 'descobri' aplicando princípios de física, de que ela era professora, na fenomenologia do acidente. Após algum tempo de perguntas e trocas de idéias decorrentes do fato de ter ela afirmado, finalmente, que NÃO PRESENCIARA o ACIDENTE por ter fechado os olhos, a partir de um certo momento, 'cega' que estava pela claridade dos faróis da carreta, constatei que o seu 'testemunho' se construíra sob um impacto mental, construído para negar o que ocorrera (de dramaticidade muito maior). Em outra ocasião, em que buscava avaliar a versão de um acidente, que tinha sido descrito por um motorista que transportava em veículo de uma empresa seus Colegas de trabalho, acabei por constatar que uma das 'testemunhas' 'montara' circunstâncias fáticas diferente do acidente, a fim de conseguir a demissão do seu Colega, já que objetivava ele o posto ocupado por seu Colega. Em realidade, o motorista do veículo da empresa fora ele próprio vítima do acidente, que fora provocado pela imperícia do motorista do outro veículo que não conseguira completar uma curva e, pois, invadira a contra-mão. Finalmente, um amigo e Colega me relatou a experiência profissional que teve, em que deveria apurar QUEM - de quatro caixas bancários - estava praticando um DESVIO de recursos. Relatou-me ele que iniciou uma conversa tranqüila e serena, individual com cada um dos caixas, tendo por base a ficha funcional e as ambições que cada um tinha, na estrutura do seu Empregador. Com cada um pretendia ter quinze minutos de 'papo'. Mas, a cada dois minutos deste 'papo', ele formulava abruptamente, interrompendo o raciocínio de quem ele estivesse 'entrevistando', a seguinte pergunta: 'VOCÊ TEM ALGUMA COISA PARA ME DIZER AQUI E AGORA, PARA TRANQUILIDADE DE SUA CONSCIÊNCIA?' - Os dois primeiros 'entrevistados' reagiram normalmente e um deles até parecia não ter entendido o que lhe fora perguntado, continuando com muita tranqüilidade a responder. O terceiro, no entanto, ao ouvir pela primeira vez a indagação, tremeu muito e suas pálpebras pareciam não querer cessar de piscar. Na segunda vez que meu Colega introduziu a indagação, suas mãos se contorcerem e ele agiu como se estivesse pondo-as em oração. A terceira vez em que foi formulada a pergunta, ocasião em que o Colega decidiu elevar o tom de minha voz, a 'verdade' veio à tona. A pessoa, em seguida, começou a contar que precisava fazer o que fez, porque queria comprar isso, comprar aquilo e 'ajudar' a Avó, com quem vivia. Confessou tudo e levou o nosso Colega até a sua casa, devolvendo tudo que acumulara. Em troca, pediu que nada fosse contado para a sua Avó, pessoa humilde e séria, e o caixa formalizou na presença de diversas pessoas seu pedido de demissão, com o compromisso de que o Empregador não faria uma representação policial contra ele. Acho que o Advogado, em sua condição de 'indispensável à administração da Justiça', conforme prescrição do Art. 133, da Constituição Federal, tem também a obrigação de saber e de avaliar o 'material probandi' que levará à Justiça. Se ao Juiz cabe e compete, no nosso sistema, proceder ao interrogatório, ao Advogado cabe não permitir que seu Cliente possa ser surpreendido com 'testemunhos' que lhe possam comprometer. O Advogado NÃO ORIENTARÁ O TESTEMUNHO, mas AVALIARÁ se o 'testemunho' a ser dado é compatível com os FATOS e a VERSÃO de SEU CLIENTE, deduzida no processo. E creio que, por ser a PROVA uma verdadeira ciência, para a obtenção do DIREITO SUBJETIVO pelo qual se pugna, é indispensável que não deixe o Advogado de bem AVALIAR esta mesma PROVA, para que sua intervenção, na administração da Justiça, não resulte num fiasco, num fracasso ou num vexame para seu Cliente."

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