Coronavírus

25/3/2020
Rafael Marques de Setta

"O novo coronavírus (COVID-19) não resulta em uma 'gripezinha'. Os cientistas e os fatos, representados pelo número de infectados pelo mundo, demonstram que seu poder de contágio é exponencial e que não há sistema de saúde de qualquer país capaz de enfrentar a pandemia, assim declarada pela Organização Mundial da Saúde. Apesar da baixa letalidade, cerca de 3%, inferior a outros vírus, o número de mortos é avassalador, pois são muitos os infectados. Não se tem notícia, ao menos nos últimos dois séculos, de uma epidemia que tenha matado mais de 500 pessoas por dias, por mais de 10 dias seguidos, como já ocorreu na China e ocorre neste momento na Itália. Países de viés ideológico e sistemas políticos variados pararam suas atividades. As ligas mais importantes do mundo de futebol suspenderam seus jogos. A liga de basquete mais importante do mundo, a NBA, suspendeu seus jogos. O maior parque temático do mundo, Disney Word, está com as portas fechadas. A Fórmula 1 está sem corridas. As Olimpíadas acabam de ser transferidas para 2021. Definitivamente não é um resfriado comum. Sem vacinas e sem remédios, só há uma alternativa: isolamento social. Atribui-se a seguinte frase ao maior empreender de meu tempo e talvez de todos os tempos, Bill Gates: 'Isolamento social é desastroso para a economia, mas quanto mais cedo você fizer isso, mais cedo poderá desfazê-lo e voltar ao normal'. Portanto, por hora: #ficaemcasa. Problemas econômicos são solucionáveis. Para a morte não há solução. Obviamente atividades essenciais, como saúde, segurança, transporte, abastecimento, dentre outras, não podem parar. Quanto ao aspecto de enfrentamento da crise econômica, é hora dos Estados serem protagonistas, sempre com respeito a suas Constituições. É o momento de fazer déficit fiscal e adotar políticas keynesianas, que já foram testadas e se mostraram eficazes no enfrentar a maior crise econômica até então vivenciada, após a quebrada da Bolsa americana em 1929. A primeira medida essencial defendida por economistas diversos, inclusive historicamente mais alinhados com políticas de responsabilidade fiscal, como o ex-ministro da Economia e presidente do Banco Central do Brasil, Armínio Fraga, é o estabelecimento de uma renda mínima para os mais vulneráveis. Outra medida, infelizmente não prevista na Medida Provisória 927, mas adotada em países com Portugal, França e Itália é a preservação dos empregos, com a proibição de dispensas durante o enfrentamento da crise. O emprego é fundamental para a produção e para o consumo que serão os pilares para a retomada. Obviamente, vulneráveis que estão, os empregadores também merecem ajuda por parte do Estado. Ressalta-se, que em momentos de crise não se deve desrespeitar os pilares Constitucionais, mas ao contrário, levá-los ao extremo. Como na vida, não se deve resolver as coisas com os ânimos exaltados, sob pena de serem violados princípios fundamentais para o bom andamento da democracia e da sociedade. A Norma Fundamental precisa ser a guia, especialmente em momentos de crise e possibilidade de quebra institucional. E há saídas na Constituição para o enfrentamento dos problemas econômicos. O artigo 7º, I da Constituição Federal já protege a relação de emprego contra despedida arbitrária e sem justa causa. O inciso II, já prevê o pagamento de seguro-desemprego. A redução de salário e jornada é possível, mas sempre por acordo coletivo, como exposto no artigo 7º, incisos VI e XIII. É essencial a participação dos Sindicatos dos empregados em tais negociações, devido ao efeito coletivo das medidas e da crise que atinge a toda a sociedade. Qualquer previsão legal, como a que foi apresentada na Medida Provisória 927, que dispense a negociação coletiva para redução de jornada e salário fere frontalmente a Constituição. Representa solução inadequada e deixa o empregador exposto a problemas e discussões futuras. A redução de salários de servidores públicos, além de não resolver o problema fiscal, pois a economia que se faria seria simbólica perto dos gastos necessários, gera redução de consumo e também afronta a Constituição, que dispõe em seu artigo 37, XV, que os subsídios e vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis. Os juízes também gozam da garantia prevista no artigo 95, III, da Constituição Federal, de irredutibilidade de subsídios. A propósito as garantias previstas no artigo 95, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, não são pessoais, para os juízes, mas sim para a sociedade em nome de um Judiciário independente e isento. Entretanto, são bem vindas medidas que restrinjam os vencimentos acima do teto em todos os níveis do funcionalismo, como já disciplinado no artigo 37, XI, com eliminação de todos os chamados penduricalhos. E porque não aproveitar a necessidade para regulamentar o artigo 153, da Constituição, tributando melhor a renda e proventos de qualquer natureza (inciso III) e especialmente as heranças e grandes fortunas (inciso VII). As saídas estão dentro e não fora da Constituição. Já chega a crise de saúde e econômica criada pela pandemia. Não precisamos de outra crise institucional."

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