Declaratória

10/11/2006
Anibal Castro de Sousa - advogado

"Prezado Senhor Editor chefe do sítio Migalhas, boa tarde. Em primeiro lugar gostaria de me apresentar ao senhor, ainda que eletronicamente. Sou o advogado paulistano Anibal Castro de Sousa e um dos advogados do caso aforado em face de Carlos Alberto Brilhante Ustra, cuja repercussão na mídia já é bem conhecida desde a data de ontem. Informo, ainda, que, o jurista Fábio Konder Comparato também é advogado do caso por parte dos Autores e com quem eu tive a honra de patrocinar a causa. Pois bem, sou leitor do Migalhas desde o início e gosto muito do periódico. Contudo, hoje, ao ler a coluna 'Direitos Humanos' (Migalhas 1.533 – 9/11/06) fiquei chocado com a opinião do sítio Migalhas a respeito do caso, sobretudo nos seguintes trechos: 'Apesar de parecer legítima a pretensão dos autores (1) em querer apenar moralmente o militar, cuja carreira pode não ter mesmo sido "brilhante", smj, trata-se questão de foro íntimo, que não poderá ser acolhida pelo Judiciário' (2). ... 'Ademais, se o militar tiver consciência dos atos que praticou, conforme alegam os autores, ele já está condenado, e a tortura agora é pessoal. (3) Se não tiver, não é a sentença pretendida que o condenará. (4) Como não somos nós os juízes (e nem temos a pretensão de ser), boa sorte. Para melhor esclarecimento da informação tomei a liberdade de enumerar os trechos que merecem reparos, segundo os seguintes argumentos: No que tange ao item (1), informo que a pretensão dos autores é legítima conforme despacho judicial (despacho saneador) publicado no dia 27/9/2006 (cópia abaixo na íntegra) da lavra do Juiz Dr. Gustavo Santini Teodoro, titular da 23 Vara Cível do Foro Central de São Paulo. Até o momento não conheço nenhuma outra decisão em sede recursal que tenha reformado o despacho saneador referido, de modo que sendo o Poder Judiciário o único poder da República legitimado a decidir se uma pretensão é legitima ou não, afirmo com muita tranqüilidade que a pretensão dos Autores é, sim, legítima. Desta forma, o sítio Migalhas poderia em 'errata' corrigir tal informação sobre a legitimidade da pretensão. Aproveito os mesmos argumentos acima referidos para o item (2) destacado, já que se a questão não pudesse ser acolhida pelo Poder Judiciário, o Juiz ao sanear o processo certamente teria decidido de forma diferente. Lembro, ainda, que esta questão processual da pretensão poder ou não ser acolhida pelo Judiciário foi suscitada em Juízo na Contestação apresentada pelo Réu, e já, repito, decidido pelo Juiz do caso. Desta forma, o sítio Migalhas poderia, também, corrigir esta informação sobre o Poder Judiciário poder ou não acolher esta demanda. No que se refere ao item (3), discordo que uma suposta condenação psicológica (advinda da consciência) possa ser uma pena em si mesma, pois se este argumento, por absurdo, fosse levado às últimas conseqüências, todas as pessoas que cometessem crime não precisariam ser julgadas e processadas pelo Estado Democrático de Direito, pois se tiverem consciência, já estarão condenadas por si só. Penso, ainda, que, a opinião do Migalhas não pretendeu comparar a suposta 'tortura' que o Réu vem sofrendo por conseqüência da demanda judicial com a real e dolorosa tortura sofrida pelos Autores, que se está a apurar em sede judicial.  Lembro, neste sentido, que ser Autor ou Réu numa demanda judicial não pode ser considerado 'tortura', pois é conseqüência natural do Estado Republicando Democrático de Direito, não é?  Por fim, discordo da opinião contida no item (4), pois é a sentença sim que poderá, se assim entender o Poder Judiciário, vir a condenar ou não o Réu no caso em testilha. Na minha opinião, é fundamental para a história do Brasil e para a afirmação do País como uma República Federativa  democrática e pluralista, o reconhecimento judicial das torturas cometidas no passado por pessoas que representavam uma das faces do Poder. Neste sentido, lembramos que a dignidade da pessoa humana é princípio basilar sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição Federal).  

'(Transcrição do despacho saneador publicado no dia 27/9/2006)

 

DOE - Edição de 27/9/2006

 

Arquivo: 957       

Publicação: 39

 

Varas Cíveis Centrais 23ª Vara Cível 

     

583.00.2005.202853-5/000000-000 - nº ordem 1978/2005 - Declaratória (em geral) - Janaina de Almeida Teles e outros x Carlos Alberto Brilhante Ustra - Vistos (artigo 331 do Código de Processo Civil). 1. As preliminares devem ser rejeitadas. O deslocamento da competência para a Justiça Federal dependeria de iniciativa do Procurador-Geral da República, do que não se tem notícia nestes autos, razão pela qual a competência é da Justiça Estadual. Não há no ordenamento jurídico norma que impeça a vítima da atuação de agente estatal de propor ação contra este, fundada em responsabilidade subjetiva, ao invés de demandar contra o Estado. Portanto, o agente, nessa hipótese, é parte passiva legítima. A via eleita – ação declaratória – é adequada, pois se volta à declaração de existência de relação jurídica. Outrossim, a lei de anistia refere-se apenas a crimes, não a demandas de natureza civil. Outrossim, ação declaratória – especialmente no caso destes autos, em que estão em causa direitos da personalidade e direitos humanos –, é imprescritível. Destarte, Rejeito todas as preliminares. 2. Não há questões processuais pendentes. As partes estão regularmente representadas e são legítimas. Presentes todos os demais pressupostos processuais e condições da ação, declaro o feito saneado. A controvérsia consiste em saber se o réu praticou os atos que lhe são imputados na petição inicial. Para sua solução, defiro a produção de prova, oral e documental. Designo audiência de instrução, debates e julgamento para o próximo dia 08 de novembro, às 14:15 horas. Se houver requerimento em 10 dias, intimem-se os autores para depoimento pessoal, com as advertências legais, e depreque-se a oitiva do réu. Prazo para rol de testemunhas: 10 dias, contados da publicação deste despacho no diário oficial, observado no mais, estritamente, o disposto no artigo 407 do Código de Processo Civil. Se requerido, intimem-se as testemunhas que forem tempestivamente arroladas. No mesmo prazo, sob pena de preclusão, as partes, que não forem beneficiárias da justiça gratuita, terão o ônus de recolher as custas das diligências. 3. Int.

 

São Paulo, 11 de setembro de 2006.

 

Adv. Anibal Castro de Sousa - OAB/SP 162.132

Adv. Fábio Konder Comparato - OAB/SP 11.118

Adv. Marilia Alves Barbour - OAB/SP 196.866' 

Cordialmente,"

Envie sua Migalha