Súmula vinculante

4/12/2006
Pedro Luís de Campos Vergueiro

"Há vários anos a súmula vinculante está na pauta das questões discutidas pelos operadores da Lei e do Direito (Migalhas 1.548 – 1/12/06 – "Minirreforma do Judiciário" – clique aqui). Aqueles que são favoráveis à sua instituição sempre pensaram que esse seria o instrumento adequado para dinamizar a prestação jurisdicional. Ora, era, e ainda é, admitida a existência de súmulas não vinculantes, representativas do estabelecimento da orientação única para determinada questão jurídica. Estas súmulas, invocadas como razão e fundamento da prestação jurisdicional, não encontram repulsa alguma no Poder Judiciário que, ao revés, sempre as empregou largamente - todos os Tribunais, salvo pouquíssimas exceções, as criaram -, da mesma forma como são invocados precedentes judiciais com a citação das ementas das decisões proferidas. Não há sentença judicial que deixe de citar um precedente como fundamento da decisão que está sendo proferida. Diante disso, com a devida vênia de quem pensa em sentido contrário, a súmula vinculante não constitui retrocesso. Ao revés, a súmula vinculante irá contribuir para desafogar os trabalhos dos Tribunais, o que é muito necessário nos dias de hoje. Aliás, irá desafogar mesmo os trabalhos dos juízes de primeira instância. Os detratores da súmula vinculante, em verdade, deveriam elevar sua voz contra outro dispositivo constitucional que constitui, esse sim, um retrocesso visto que se trata da reinstituição da argüição de relevância de triste memória. A argüição de relevância veio de ser restaurada pela Emenda Constitucional nº 43/2004 que acrescentou um parágrafo terceiro ao artigo 102, da Constituição, impondo à parte 'demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso', matéria esta cujo exame precede a apreciação do recurso extraordinário. A diferença entre a argüição de relevância e a preliminar da repercussão geral está apenas na exigência de que o recurso somente poderá ser recusado pela manifestação de dois terços dos membros do Tribunal, enquanto que a argüição de relevância podia ser rejeitada simplesmente por despacho sintético, sem necessidade de qualquer fundamentação. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal ao examinar a repercussão geral estará criando também uma súmula a propósito da questão jurídica em debate e sua relevância para a sociedade, a qual, depois de assentada, poderá ser invocada como precedente quando do exame de questões iguais ou semelhantes, permitindo a rejeição sumária da apreciação do recurso extraordinário. A súmula vinculante não é viciosa. Poderá ser mal aplicada, mas isso será apenas uma falta do operador do Direito. Para aplicá-la ao caso concreto que tenha sob exame, o juiz deverá conhecer os fundamentos da sua instituição. O juiz que a aplicar, ou que deixar de aplicá-la, na sua decisão deverá expor os motivos da decisão conforme exigido incisivamente pelo disposto no inciso IX, do artigo 93, da Constituição. Sob certos aspectos, será a mesma coisa que analisar a Lei e aplicá-la ao caso concreto, de forma que não vai privar os magistrados de sua autonomia e direito de crítica na interpretação da súmula, fazendo-o da mesma forma como opera na aplicação da Lei. E essa atividade não cerceia o cidadão no exercício de seus direitos; ao revés, o cidadão tomará consciência deles, dos seus direitos, talvez de uma forma bem melhor e lúcida. Se o juiz tem a Lei como norte para a decisão que deverá proferir, da mesma forma terá também a súmula vinculante como norte para a decisão que vai proferir, fazendo-o de acordo com o entendimento que domina na jurisprudência relativamente ao aspecto ou à questão implícita na súmula vinculante. Enfim, a súmula vinculante não retira a capacidade do juiz de entendimento do preceito e sua correta aplicação. A sua livre convicção permanece íntegra e hábil para proferir a decisão adequada, fazendo-o com total e absoluta independência sobretudo, repita-se, no exame da sua aplicabilidade ao caso concreto. Não obstante um aspecto da celeuma deve ser destacado. Trata-se da convicção sobre a orientação que deve ou pode ser trilhada pelo legislador, orientação essa que costuma flutuar no tempo. Em breve, o Presidente Luiz Inácio irá sancionar a Lei Federal que disciplina a súmula vinculante, manifestando e declarando seu agrado à instituição da medida. Todavia, nem sempre foi assim. Certamente para agradar alguns na época, em 1988, ele, então postulante ao cargo de Presidente da República, na Ordem dos Advogados do Brasil declarou:

'Assumo o compromisso de contribuir para a independência e fortalecimento do Judiciário. Por essa razão, o meu governo interromperá toda e qualquer iniciativa de adoção da súmula vinculante, por considerá-la fator de debilitamento e até mesmo de esterilização do Judiciário'.

Pois é, o Presidente da República mudou de opinião. Em sendo assim, é supinamente válida a instituição da súmula vinculante que ensejará a certeza e segurança jurídica das questões por ela disciplinadas que estarão conforme a Constituição vigente. Criem-se, na forma da Lei, os textos das súmulas. Que sejam aplicadas aos processos em andamento. Somente assim poder-se-á aquilatar se se trata de uma medida do bem, ou do mal."

Envie sua Migalha