Artigo - O uso de algemas

6/12/2006
João Pedro Chaves V. Pádua - escritório Melaragno Costa e Pádua Advogados Associados

"Com a devida vênia, já está mais do que na hora de acabar com este pensamento pequeno e objetificante do ser humano que se apresenta sob o raciocínio de que 'preso usa algemas, e ponto final' (Migalhas 1.550 – 5/12/06 – "Algemas", Eudes Quintino de Oliveira Júnior – clique aqui). Algemas não são meros braceletes ou sinais de identificação como vem sendo postulado por alguns dos defensores do seu uso 'como regra'. Algemas são, sim, um constrangimento adicional ao direito de liberdade da pessoa humana - este sim constitui a regra - e só se justificam, como qualquer outra privação da liberdade, por necessidade ou punição. Presumir a necessidade das algemas para qualquer preso, sob pretexto de que ele pode atentar contra si ou contra outrem é presumir culpabilidade e periculosidade, em afronta flagrante à ordem jurídica - e jurídico-constitucional em especial. Ademais é adotar um tipo de generalização moral da perigosidade humana que casa muito bem em teorias hobbesianas saudosas do autoritarismo, mas não em democracias constitucionais. Cumpre lembrar que a pessoa humana não perde esta condição de dignidade pelo simples fato de estar custodiada - ainda mais provisoriamente - e, como tal, só pode ter restrições à sua liberdade condicionadas, como se disse, à necessidade. Que seja esta constatação da necessidade discricionária da autoridade presidente do ato em que custodiada a pessoa, nem por isso pode dita autoridade deixar de julgar a conveniência e oportunidade concreta do uso de algemas como qualquer ato administrativo de polícia. Não se trata, em absoluto, como bem declinou o STF, recentemente, de ato vinculado, a reclamar observância em qualquer custódia. A regra é a desnecessidade de algemas, porque a presunção é de que o cidadão vá cumprir a ordem de prisão contra ele emitida – quer porque a aceita, mais dificilmente, quer porque tem amor à própria integridade física (leia-se instinto de vida) e não vai desafiar um aparato policial pronto a retaliar-lhe tentativas dantescas de resistência. Prevaleça o entendimento contrário e estaremos caminhando, lobregamente, para outros ‘sinais’ constritivos de 'identificação' do preso. Quem sabe os números de Kafka, tatuados na pele?"

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