Lei de Licitações

5/4/2021
Fábio Luís Guimarães

"Carta aberta ao presidente do Senado Federal e ao presidente da Câmara dos deputados. A lei 14.133 foi publicada em 1º de abril de 2021, contando com vinte e dois dispositivos vetados em sua mensagem presidencial (em sua maioria, por orientação do Ministério da Economia e da Advocacia Geral da União), dezesseis ao fundamento de contrariedade ao interesse público e o remanescente por inconstitucionalidade. Embora já tenhamos interessantes discussões sobre a nova lei de licitações e contratos administrativos, em especial sobre a aplicabilidade que terá a uma Administração Pública que se deseja gerencial – ou pós, ainda pende a manutenção ou não do veto, razão pela qual ousamos contribuir, para destacar alguns aspectos que poderiam ser considerados na restauração de parte destes enunciados vetados. Para efeito de compreendermos o veto, admoestamos para sua interpretação conforme a Constituição, sem descuidar das atuais vicissitudes enfrentadas no Brasil, a exemplo das disparidades socioeconômicas e da radicalização ideológica que a pandemia da Covid-19 tem revelado, e dos avanços civilizatórios que nossa cultura jurídica vem conquistando dia a dia. A partir destes indicativos, iniciamos as reflexões necessárias sobre o veto, quer para arguir aqueles que confluíram em suas razões, quer para desvelar a falta de sentido dos fundamentos apresentados. Mas vamos passo a passo. Não é preciso muito esforço para demonstrar a importância de um marco regulatório adequado para as contratações públicas. A começar da vantagem que pode e deve proporcionar à Administração Pública, no sentido de prover-lhe dos insumos necessários, de viabilizar o alcance de objetivos estratégicos, de facultar-lhe modos mais eficientes para atender a necessidades públicas. Mas não só: o uso de poder de compra do Estado ainda permite fomentar mercados fornecedores e promover o desenvolvimento local, regional ou setorial, além de orientá-lo para a formação de cadeias produtivas sustentáveis. Desafios? Existem. Ainda enfrentamos dificuldades no bom e saudável relacionamento entre o público e o privado, com notícias ainda frequentes de desvios, abusos, corrupção, que, se por um lado reivindicam sancionar culpados (e sempre os queremos exemplarmente punidos), por outro provocam a necessidade de aprimorar e expandir os meios de controle da Administração Pública. A nova lei avança em vários destes aspectos, consolidando inovações já trazidas anteriormente. Daí a fundada dúvida que o veto suscita em relação a aspectos pontuais das licitações e contratos em si, conquanto atividade administrativa estrita, e a seu controle, sobretudo aquele que se pode fazer pela sociedade. Exemplo disso encontra-se no veto ao § 2º do art. 175 da nova lei, ao entendimento de que a divulgação de extrato de edital de licitação em jornal diário de grande circulação local por municípios seria 'medida desnecessária e antieconômica'. Esta forma de divulgação é uma cautela de publicidade prevista na lei 8.666/93 (que ainda poderá aplicar-se durante os próximos dois anos), de modo que a Administração Municipal já está estruturada e operacional para assim o fazer, não havendo, a princípio, custos extraordinários, imprevistos ou insuportáveis decorrentes de sua aplicação. Não obstante a lei 14.133/2021 preveja meios eletrônicos para publicizar licitações e contratos, a divulgação de extrato de editais em periódicos – que, a propósito, estão cada vez mais apresentados em meio digital – expande sua cognição para eventuais licitantes e também para a sociedade local, nem sempre suficientemente conectada à rede mundial de computadores. Enfim, a se pensar que o controle social sobre negócios públicos fortalece-se pela transparência ativa, o veto, como arrazoado, não revela nenhum interesse público. Outro veto 'curioso' ocorreu em relação ao art. 172 da nova lei, justificado pela inconstitucionalidade da previsão de 'força vinculante' às súmulas do Tribunal de Contas da União. O dispositivo vetado estabelecia que tais súmulas visariam 'garantir uniformidade de entendimentos' e 'propiciar segurança jurídica aos interessados', em relação a decisões firmadas por órgãos de controle externo. Não se aduziu a um efeito vinculante, tal como feito expressamente no art. 30, parágrafo único, da LINDB ou no art. 40, § 1º, da Lei Complementar 73/1993, até porque aqui se viabiliza o dissenso (a teor do parágrafo único do art. 172, que diz: 'a decisão que não acompanhar a orientação a que se refere o caput deste artigo deverá apresentar motivos relevantes devidamente justificados'). Aqui, houve uma clara intenção do legislador de reconhecer os precedentes administrativos como uma fonte formal para a aplicação da nova lei, enquanto seja um fenômeno que se pode entender praticamente irreversível no direito processual brasileiro. Para a Administração Pública, tais precedentes complementariam as disposições legais, de modo a colocar parâmetros para a mensuração dos efeitos práticos de decisões administrativas e controladoras relativamente a licitações e contratos administrativos. Ainda há muito a se discutir sobre a adequação da lei 14.133/2021 às licitações e contratos administrativos que efetivamente precisamos. Brevemente, traremos outros aspectos para a reflexão parlamentar que se impõe. Importante destacar por ora que, para além de um instrumento de operação do setor público, onde custos e benefícios sejam reduzidos a uma fórmula de equilíbrio fiscal, a maneira pela qual estabelecemos os negócios públicos indica o quanto possuímos de capital social para nosso desenvolvimento, os objetivos que se nos impõem para a construção de uma sociedade livre, justa e fraterna, inclusive para gerações futuras, e o respeito que realmente merecemos nas relações (comerciais) internacionais. Que o pensar e discutir sobre o veto parcial à lei 14.133/2021 possa transcorrer com as cautelas necessárias, num ambiente frutuoso para o amadurecimento de nossas instituições."

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