Título eleitoral

27/2/2007
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Até 26 de abril próximo, 1.896 milhão de eleitores que não votaram e nem justificaram ausência nas três últimas eleições consecutivas podem ter seus títulos eleitorais cancelados. Com o título cancelado, o cidadão não poderá ser regularmente contratado, não poderá tirar ou renovar passaporte, nem tirar CPF e nem se recadastrar como contribuinte isento. Não poderá, ainda, matricular-se em colégios e faculdades, nem se inscrever em concursos públicos, dentre outras coisas. Ou seja, se você não votar, seu mundo vem abaixo. E, mesmo assim, quase dois milhões de pessoas não compareceram para votar nas três últimas eleições, considerando-se como tais os dois turnos da última eleição presidencial e o referendo do desarmamento. Mas, fiquei pensando, qual seria o motivo de tantas pessoas - dois milhões - não terem nenhum interesse em votar? E se o voto fosse facultativo, como seriam as eleições, dado o notório desprezo do cidadão brasileiro pela vida pública e os políticos do país? Considerando que nas principais democracias representativas o voto é sempre facultativo, o que aconteceria no Brasil, se assim fosse também? Há quem discuta o assunto no Senado, como o Senador José Fogaça que comentando favoravelmente sobre o voto facultativo, declarou que:

'... Sempre fui adepto do voto obrigatório e mudei radicalmente a minha posição após o plebiscito que 95% das pessoas que iam para os locais de votação não tinham clara idéia do que estavam votando. Percebi também que quando um cidadão não tem idéia do que está votando ele prefere manter o conhecido, mesmo que ruim, a votar no desconhecido.

 

O voto obrigatório é uma tendência ao retrocesso, ao atraso, porque podemos obrigar um cidadão a votar, mas não há quem o obrigue a se deter, a estudar, a analisar, a avaliar um assunto complexo, como é o sistema de governo, por exemplo. Certas pessoas se interessam e outras não. Aliás, é um direito institucional do cidadão não se interessar por determinado assunto.'

Complementando seu raciocínio, o mesmo Senador continuava:

'Preocupam-se, alguns, com o elevado índice de abstenção que poderá advir da adoção do voto facultativo. Segundo o raciocínio daqueles que defendem a permanência da obrigatoriedade do voto, o índice de abstenções aumentaria demasiadamente, visto que os eleitores não compareciam às urnas em sinal de protesto, colocando em risco a legitimidade dos eleitos.

 

Analisando, todavia, os relatórios do TSE, verificamos que:

 

1. nas eleições presidenciais de 1994, os votos em branco e os nulos, somados à abstenção, atingiram a proporção de 36,52%; já nas eleições de 1998 esse somatório atingiu o índice de 40,19%.

 

2. nas eleições de 1994, para governadores, considerados os dados globais, 39,02% dos eleitores se abstiveram, votaram nulo ou em branco; enquanto que nas eleições de 1998 foi de 37,8%.

 

3. considerando Estado por Estado e o Distrito Federal, verifica-se que a melhor resposta ao chamamento às urnas (somatório dos índices de abstenção, votos em branco e votos nulos), em 1994 e em 1998 ocorreu no Distrito Federal com, respectivamente, 29,89% e 21,2%; seguido de perto pelo Rio Grande do Sul, em 1994, com 30,87% e pelo Amapá, em 1998, com 21,8%.

 

Uma curiosidade a ser observada é que, em 1994, São Paulo obteve o melhor índice de comparecimento, visto que apenas 11,37% dos eleitores deixaram de comparecer; e em 1998 o Amapá atingiu o índice de 13,6% de abstenções;

 

4. em contrapartida, os dados demonstram que, em 1994, no Maranhão, o somatório dos que deixaram de comparecer aos que votaram em branco ou nulo ascendeu a 67,44% do eleitorado; seguido de perto pelo Pará, com 65,88%, enquanto que nas eleições de 1998, o pior resultado deu-se na Bahia, com 56,3%, seguido de Alagoas, com 51,8%.

 

Do cotejo dos dados da pesquisa, que revela uma intenção do eleitorado, com a estatística da realidade eleitoral, deduz-se que o voto facultativo, confirmada a tendência da pesquisa, não trará prejuízo à qualidade ou à legitimidade dos eleitos, visto que o atual modelo, por força do § 2º do art. 77 da Constituição, desconsidera os votos nulos e os em branco para a apuração da eleição majoritária e, a partir das eleições de 1998, mesmo para os cargos proporcionais, passaram a ser considerados apenas os votos válidos para a apuração do quociente eleitoral.

 

Vale dizer, o que conta são os votos nos diversos candidatos e legendas e não o número de eleitores inscritos ou que compareceram.

 

O direito de escolher, diretamente, seus representantes é uma prerrogativa inerente à cidadania.

 

O voto é, pois, um direito do cidadão, é a hora sublime do exercício da democracia, visto que é o momento em que o poder é exercido diretamente pelo povo.

 

Ao tornar-se obrigatório, deixa de ser um direito e passa a ser uma imposição. Deixa de ser a livre manifestação para transformar-se em manifestação forçada, que caracteriza a ausência de liberdade.'

Então, à vista das informações acima, a quem interessa manter a obrigatoriedade do voto? Não aos que se inscrevem obrigatoriamente como eleitores e têm que, obrigatoriamente, escolher quem não desejam, ou escolher qualquer um somente para se livrar do encargo. Salvo engano, o voto facultativo valorizaria o voto de qualidade, ou seja, estimularia o comparecimento do eleitor motivado por sua consciência política, desejoso de intervir nos destinos da nação, e não uma população que veta porque é obrigatório e que não tem nenhuma consciência da importância de seu voto. O voto obrigatório vem promovendo as eleições que assistimos. Como apenar quem não deseje comparecer, seja porque não quer fazê-lo pura e simplesmente, seja porque não deseja legitimar esse arremedo de democracia no qual vivemos?"

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