Indulto

16/5/2022
Cleanto Farina Weidlich

Viva! É segunda-feira, repete o Luciano Hang, sai nas mídias sociais e fica ecoando no coração das pessoas, inclusive desse já velho escriba. Em homenagem ao cidadão que conquistou o epíteto de 'velho da Havan', volto ao tema do indulto presidencial. Não vou aqui falar de um indulto específico, penso que o rebusco histórico e eminentemente técnico deve servir para qualquer indulto do chefe do executivo da Nação. Vou ao espírito das leis do Montesquieu e lá está: Das Leis Positivas. Capítulo III, tomo I, p. 13: Desde o momento em que os homens se reúnem em sociedade, perdem o sentimento da própria fraqueza; cessa a igualdade que entre os mesmos existia, e inicia-se o estado de guerra. (4) E na nota remissiva correspondente: Intérprete e admirador do instinto social, Montesquieu não temeu confessar que o estado de guerra começa para o homem com o estado de sociedade. Mas, dessa verdade desoladora, da qual Hobbes havia abusado para elogiar a causa do despotismo, e Rosseau para celebrar a independência da vida selvagem, o verdadeiro filósofo faz nascer a necessidade salutar das leis, as quais representam um armistício entre os Estados e um tratado de paz perpétua para os cidadãos. O que falta então para viver, conviver e respeitar os verdadeiros valores da vida republicana? Têm-se leis e um sistema de hierarquia de poderes ditando as regras que devem ser obedecidas em casos tais. A resposta pode ser encontrada nas lições de Piero Calamandrei em seu clássico estudo: Eles os Juízes na Visão de um Advogado. Falta aquele juiz que com receio de sofrer alguma interferência externa, preocupado com o valor Justiça da sua decisão, e que, aliás, deve estar presente em todas as decisões judiciais, sobe naquela torre daquele convento abandonado, para ficar o mais perto possível de Deus, e, em estado de sentimento de amor ou temor à Deus, decidir sobre aquele litígio humano, podendo depois de lá se ausentar, com a sensação do dever cumprido, e com a sua consciência – que significa: com conhecimento – totalmente em paz. Interpretemos as Leis dizia Cícero se quisermos ser úteis à república. Os fatos da vida ensinam, a lei faculta e obriga, mas é das lições da jurisprudência e dos doutrinadores, que aprendemos: No art. 125, II, do CPC., temos dentro da regra geral, a orientação do dever de: II - velar pela rápida solução do litígio, enquanto no inc. III, temos: ... prevenir ou reprimir qualquer ato contrário a dignidade da justiça. ... Jurisprudência selecionada – 'na condução do processo, está o juiz armado de poderes discricionários para que, mesmo diante da letra fria da lei, presente situação de excepcionalidade, possa decidir de modo a fazer justiça, temperando o rigor do texto com os princípios gerais de direito, sem desvirtuar a men legis' ( Do Ac. unân. da 16ª Câm. do TJ-SP de 05.03.86, no Agr. nº 103.294-2. rel. Des. Marcelo Motta; RJTJSP. 100/299) in Código de Processo Civil Anotado de Humberto T. Jr. pg. 99, Ed. Forense. No caso telado, teremos de utilizar, assim como os romanos souberam distinguir claramente entre o jus e a lex. Sendo esta uma norma imposta pela vontade política, insuficiente para prever as realidades sociais, ao passo que o jus designa aquilo que é justo e eqüitativo em si e é obrigatório para todos por qualquer causa que seja. A interpretação do magistrado - escreve Mommsen - tornará inútil as leis mal soantes, ao menos até onde era possível obviar estes males. Assim, puderam conciliar-se em Roma, na medida das forças humanas, as duas condições necessárias e opostas de todo boa jurisprudência: a fixidez e a flexibilidade, que sabe acomodar-se às exigências dos tempos. Assim, o direito pretoriano, em sua relação como o direito civil, conciliava o progresso com a tradição, as abstrações da lei com a realidade social. Ninguém quer que a lei se respeite por ser lei - disse Cícero. Interpretemos as leis, se queremos ser úteis à República, conforme ao bem e utilidade da própria República. Como belamente diz Puig Brutau: O direito é como uma metáfora posta ao serviço da justiça. - Mediante hábeis raciocínios, intuindo, pesando, apoiando-se na ciência dos juristas, na opinião pública e na equidade contra o direito escrito, os pretores incorporavam um novo princípio, um novo conceito através do seu edito, que serviam de fonte para uma nova lei. Assim obtiverem acertos os quais não se pode se não admirar, porque são criações da inteligência, no sentido prático e de justiça. Atuando com suma prudência, e adequando o direito estrito às contingências, procuravam não afetar a lei. Não ficavam prejudicados os direitos reconhecidos por ela, mas se alterava o exercício deles. Daí, então não parecer exagerada a afirmação de que o juiz mais sublime que a história universal conhece é o pretor romano. Em todos os casos em que havia um coflito entre um interesse controvertido e a lei, a jurisprudência antiga adaptava a lei aos interesses e necessidades da época e fazia a interpretação segundo eles mudavam. Os romanos chamaram de jus civile, no sentido estrito, ao direito que livremente procede da Lei das XII Tábuas. A cooperação dos jurisconsultos, nesta obra, se denomina interpretatio, que não era uma simples explicação da lei, mas, como o próprio nome indica (interpres: conciliador, negociador), conciliação do direito estrito com as exigências da vida. Com a interpretação propriamente dita das disposições da lei, a jurisprudência satisfez as necessidades crescentes da vida e manteve a lei à altura dos progressos do tempo. Assim foi porque não se apoiou só na Lei das Doze Tábuas, mas porque sua interpretatio estendeu-se a todo o desenvolvimento do direito segundo o seu espírito e teve força criadora, nas palavras de Savigny. Portanto, a função do pretor foi criadora, não simplesmente interpretação pura. Fez verdadeiras inovações, entrando no domínio da formação do direito, unindo a teoria à prática. (in Função Criadora do Juiz - Juvêncio Gomes Garcia, pg. 18,19, Editôra Brasília Jurídica, 1.996, 1ª Ed.). Ao final, do que a República precisa nesse passo? A nossa República está carente de concordância dos julgados do STF, com a consciência coletiva da Nação, se for jurídico afirmar que a Lei é igual para todos e que o Direito não admite resultados absurdos. Alvíssaras!

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