Saneamento

19/2/2023
Antonio Sérgio Neves de Azevedo

"O atual marco do saneamento não conseguiu resolver as demandas básicas de promover o acesso à água limpa e ao saneamento básico como um direito humano fundamental no Brasil. Passados quase três anos desde que foi sancionado pelo governo anterior, mais da metade (50%) dos brasileiros ainda não têm acesso a redes de esgoto, segundo MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), dados do Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento relativos a 2020. Esse índice pode ser ainda maior e está muito distante da previsão de 76% de acesso à coleta de esgoto e 93% de acesso à água tratada nas metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) elaborado pelo mesmo governo federal. Além disso, a controvérsia judicial virou praxe nas demandas que envolvem essa temática entre estados e municípios. Por exemplo, o município de Maringá e a Companhia de Saneamento do Estado do Paraná (Sanepar). O argumento de defesa daquele é que 'a retomada dos serviços é embasada em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)'. Nesse cenário, transita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), junto ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) para que este declare inconstitucional a lei complementar estadual nº 237/2021-PR, que instituiu microrregiões (oeste, centro-leste e centro-litoral) no Paraná para regular a contratação dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário por, supostamente, afrontar a lei do marco do saneamento, que determina que cada município tem autonomia para contratar esses serviços. Diante desse panorama, algumas reflexões são interessantes: em primeiro lugar, a lei 14.026, de 15 de julho de 2020, conhecida como marco legal do saneamento, sancionada pelo atual governo federal foi feita de maneira açodada, às pressas. Sem a efetiva participação popular sob o ponto de vista do conceito de soberania popular, como princípio norteador de uma sociedade democrática. Nesse sentido, na confecção dessa lei, o legislador ignorou completamente a existência do artigo 2º da lei nº 9.709 de 1998, que regulamenta o artigo14 da Constituição Federal, ou seja: 'plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa'. A lei do marco do saneamento foi aprovada pelo congresso nacional, mas sem a devida participação popular através de um referendo ou plebiscito. Dito isso, mas não só isso, parece que o marco do saneamento tal como está, é insuficiente e não atende os interesses de estados e municípios. Pior, não refletiu o esperado consenso entre o governo federal, estadual e municipal nessa temática. Outra constatação desse imbróglio, diz respeito à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que ao confirmar a validade do marco do saneamento na sua integralidade - a despeito da posição no plenário não ter sido unânime, acabou por conflitar ainda mais nesse imbróglio. Ou seja, em geral, os pequenos municípios não são atrativos para a iniciativa privada, já que esta busca o maior lucro possível e investe menos em regiões com demanda menor e, assim, com menor potencial de retorno financeiro, do que em cidades de médio a grande porte, onde o lucro é pretensamente possível e também maior. Nessa seara, a grande solução continua sendo o subsídio cruzado - possibilidade de investimento nos municípios deficitários a partir do lucro obtido nos municípios superavitários, é um instrumento fundamental, aplicado pelas empresas estatais de economia mista como a Sanepar, Sabesp, Corsan para garantir a cidadania e o devido respeito aos direitos fundamentais regulados pela constituição. Assim, o subsídio cruzado, garante aos municípios pobres, uma melhor qualidade de vida para a sua população, proporcionando bem-estar, diminuindo os males causados pela pobreza, reduzindo assim a mortalidade infantil, permitindo ao mesmo tempo a proteção e preservação do meio ambiente, adequando-se, inclusive, ao princípio do desenvolvimento sustentável, à saúde pública e a dignidade da pessoa humana. Enfim, o subsídio cruzado, funciona como um instrumento de desenvolvimento que corrige as falhas e as ineficiências típicas do desequilíbrio do mercado. Entretanto, além do subsídio cruzado, os municípios brasileiros precisam de apoio técnico e financeiro para planejar o setor do saneamento, especialmente os mais pobres. Através da possível criação de um fundo nacional que proporcione de fato a universalização dos serviços de água tratada e esgotamento sanitário que demandam altos investimentos. Nesse sentido, resumir na simples privatização das companhias estaduais como forma de solucionar essa questão não é a melhor saída, podendo até mesmo agravar a situação e vai na contramão de que está acontecendo no mundo, por exemplo, países como o Canadá, Estados Unidos, França e Alemanha estão reestatizando os seus serviços de saneamento básico. Dentre os principais fatores que impulsionaram a reestatização nesses países está o interesse único pelo lucro das empresas privadas sobre a qualidade ofertada dos serviços para a população, bem como, a falta de investimentos e estagnação na expansão das redes de distribuição, além disso, registra-se a deficiência de órgãos reguladores na prestação do serviço de fiscalização das empresas privadas. Nessa contramão do mundo, está o município de Manaus no Estado do Amazonas que após mais de 20 (vinte) anos de gestão privada, a capital manauara ainda possui um índice ínfimo de apenas 12,5% de coleta de esgoto e, pior, mais de 600 mil manauaras de uma população total de 2,02 milhões estão sem acesso à água tratada, segundo o Instituto Trata Brasil, que coloca o município de Manaus no ranking sobre o saneamento brasileiro na posição de 96º dentre os 100 maiores municípios do País. Por derradeiro, chegou a hora, o novo governo federal deve enfrentar e repensar o marco legal do saneamento, além de urgente é necessário, no sentido de encontrar uma solução satisfatória para o imbróglio jurídico, político, social e ambiental entre municípios e estados, seja anulando alguns artigos da lei ou até mesmo a sua revogação, no sentido de resguardar e proteger os interesses da maioria da população."

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