Violência

26/6/2007
Fábio de Oliveira Ribeiro - advogado

"Fiquei chocado ao ver o estado da doméstica agredida num ponto de ônibus. Como se não bastasse a violência social resultante da exclusão, da ausência de qualificação profissional, da baixa remuneração, da moradia precária, agora os pobres são fisicamente agredidos pelos ricos. A impressão geral que a escatológica, covarde e inopinada agressão me causou foi a seguinte. A vítima estava no lugar errado, na hora errada, na classe social errada. Apanhou sem saber o motivo. Os agressores, entretanto, escolheram a vítima, estacionaram o carro, desceram, agrediram e calmamente se retiraram do local do delito. Eles sabiam exatamente o que pretendiam: agredir qualquer pessoa. Meu modesto nível de compreensão me faz concluir que aqueles garotos não estavam brincando. Também não estavam agredindo uma prostituta (como disseram). Ou eles estavam se divertindo ou pretendiam vingar a escalada de violência no Rio de Janeiro. No primeiro casão sua diversão é medonhamente pervertida, no segundo o grau de perversão é mais medonho ainda. Além de reféns das quadrinhas de traficantes, das milícias e dos policias, os pobres trabalhadores do Rio são agora agredidos pelos seus empregadores potenciais. Cada um daqueles garotos foi alimentado por uma empregada, teve sua roupa e privada suja lavada por uma doméstica. Pelo menos um dentre os autores da agressão monstruosa e fútil pode ter sido 'filho de leite' de uma empregada dedicada, caridosa, peituda. No Rio, a crueldade do pobre é o resultado da fome. Fome de alimento, de cultura, de esperança, de perspectiva futura. A do rico é a saciedade, a falta de sociabilidade e a percepção de que a impunidade para seus iguais é a regra. Imaginem o contrário. O que ocorreria se uma empregada doméstica agredisse um merdinha daquele? Seria presa, espancada e teria sua cara estampada na primeira página policial de O Globo. Ficaríamos espantados se a Rede Globo de TV não fizesse um programa especial para abordar a escalada de violência doméstica nas residências da elite carioca, demonstrando como empregadas pobres e ressentidas colocam em risco as tradições da família fluminense. Sou capaz até de ver mentalmente um daqueles especialistas que a Globo adota pintado o caso como uma expressão geral da luta de classe difundida pela esquerda sanguinolenta. Os comunistas estariam se infiltrando nos sindicatos de domésticas para destruir os lares cariocas? O fato concreto, entretanto, não permite esta leitura. Luta de classes? Como se são os membros da classe historicamente excluída e explorada que estão levando porrada dos ricos nos pontos de ônibus? Vi e ouvi as palavras da vítima e de seus familiares. Apesar da brutalidade dos agressores e da futilidade doentia de sua agressão, eles não querem 'vendetta' mas apenas justiça! É realmente notável os pobres cariocas serem mais civilizados que os ricos e seus rebentos. Se os pobres cariocas resolvessem se igualar àqueles garotos, deixassem de legalismos e partissem para a 'vendetta' o Rio só teria uma classe em questão de dias. A desproporção de gente nos dois extremos do espectro sócio-econômico sob o olhar compassivo do Redentor, não deixa dúvidas quanto ao resultado da 'luta de classes' iniciada esta semana. Mas que ‘vendetta’? Seria uma verdadeira revolução!"

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