Caos Aéreo

7/8/2007
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Depois da tragédia com o vôo da TAM, estava difícil saber o que era, afinal, mais ofensivo à memória dos mortos e às famílias das vítimas. Seria a lembrança do 'Relaxa e Goza', que vai eternizar a figura da Ministra do Turismo? Ou as aulas sobre pepinos do presidente da INFRAERO, ao se referir ao ocorrido? Ou aos graciosos gestos do assessor especial do presidente e seu subordinado, ao assistirem a reportagem do acidente pela televisão? Ou, talvez, a cerimônia de condecoração da diretoria da ANAC, pelos bons serviços prestados, por mérito, recebendo suas 'merdalhas' do Comandante da Aeronáutica? Ou as sucessivas aparições do presidente da TAM, prometendo indenizações, quando nem as das quedas anteriores de seus aviões foram pagas? Ou, ainda, a exposição à mídia, dos gritos desesperados dos passageiros, em violação a regras internacionais, do que continham as caixas pretas do avião, pelos políticos ávidos de publicidade? Ou a sucessão de políticos todos se eximindo de responsabilidade, em um conhecido jogo de empurra-empurra, cujo objetivo é empurrar com a barriga até o fato sair do noticiário? Ou ouvir do próprio presidente, entre metáforas bobas e parábolas idem, que mais uma vez não sabia de nada? Ou saber que, no Brasil, ninguém fiscaliza nada e que seus parentes viajavam em um avião sem condições técnicas de vôo? Realmente, é difícil saber qual a ofensa maior, nesse esforço ao qual tantos se dedicaram em atormentar aqueles que perderam entes queridos em razão da incompetência dos que nos governam e da ganância dos que controlam os que nos governam. Mas é do Diário Oficial, órgão de imprensa que publica as cretinices oficiais - pois que as que não são oficiais são publicadas em veículos privados - que vem algo digno dos Três Patetas, ou dos Irmãos Marx, já que só poderia ser piada. Ou, até, sabotagem - ou um atentado terrorista, para desacreditar as instituições - já que parte, exatamente, da aeronáutica, da FAB mais especificamente. Trata-se de uma lista que relaciona 215 obstáculos que, pela altura, colocariam em risco pousos e decolagens nos três aeroportos da região metropolitana de São Paulo: Congonhas, Cumbica e Campo de Marte. Na lista estão prédios que a própria aeronáutica autorizou a construção. E não fazem parte da lista prédios muito mais altos do que os que estão na lista. Por exemplo, a casa de prostituição do polêmico Oscar Maroni Filho, o Bahamas, está na lista, e foi aprovado pela aeronáutica. Há 29 obstáculos listados dentro do próprio aeroporto de Congonhas, inclusive 2 'fingers' que são os equipamentos que permitem que os passageiros saiam dos terminais e entram diretamente nos aviões. Além de árvores, antenas e refletores do próprio aeroporto, a lista da aeronáutica considera 'obstáculos que constitui risco para pousos e decolagens o pavilhão das autoridades, ou seja, a sala por onde ministros e comandantes da própria aeronáutica entram e saem quando vem a São Paulo. Em outras palavras. Há obstáculos a pousos e decolagens dos aviões dentro do aeroporto. Calma, não consta da lista a torre onde trabalham os controladores de vôo. Até o prédio do Sindicato dos Aeroviários de São Paulo, que luta por mais segurança de vôo está na lista, apesar de ter só 2 andares. Na lista, de 215 itens, estão, ainda, além da Torre da TV Cultura (81,34 metros acima da altura permitida), torres de alta tensão, caixas d’água, igrejas, árvores, casas, antenas de celular, postos de gasolina, supermercados, escolas, galpões, toldos, postes de iluminação, mastros de bandeira, placas de propaganda, antenas, refletores, hospitais, conjuntos habitacionais, bosques, tribunais, bancos, luminárias, semáforos, placas luminosas, drive-ins. Enfim, uma cidade inteira. Ficamos sabendo, então, que no entender da aeronáutica, dos técnicos da gloriosa Força Aérea Brasileira, só teremos vôos seguros quando toda a cidade for afastada dos aeroportos e, mais ainda, quando não houver nada também sequer na área interna dos aeroportos, inclusive os 'fingers', antenas e refletores. É essa gente que entende do assunto. Estamos nas mãos desse tipo de 'técnicos' em aviação. Escrever essa relação é uma coisa. Publicá-la no Diário Oficial, após o acidente, com as famílias ainda à espera de respostas responsáveis sobre o ocorrido, só pode ser piada. É de péssimo gosto."

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