Ronaldo Esper 24/8/2007 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "Decisão do Judiciário não se discute, cumpre-se. É o que se diz por aí. Então, cumpra-se a sentença do MM. Juiz da 30ª Vara Criminal de São Paulo, Marcio Sauandag, que entendeu que o furto de dois vasos, pelo estilista Ronaldo Esper, não constituía infração penal (Migalhas 1.722 – 21/8/07 – "Absolvição"). Tudo bem, sentença dada, só cabe à Promotoria, que formulou a denúncia, recorrer, ou seja, discutir a decisão. Mas, opinião é direito de todos. É de notar que, na decisão, o Juiz fez questão de deixar claro que a estória apresentada pelo acionado era 'de todo fantasiosa e inventiva que até certo ponto tangencia a inverossimilhança, a qual não foi tão bem justificada nos autos sob o prisma do bom senso'. Ainda no corpo da decisão, o juiz afirma que os fatos desmistificam 'a justificativa apresentada pelo estilista no sentido de que o apoderamento dos vasos, que se disse momentâneo e desinteressado (servir de recipiente para flores que seriam deixadas na capela do cemitério), e que, também, não se compadece com as seqüenciais versões divergentes apresentadas pelo acionado frente a Elias, representante do Serviço Funerário'. Curioso que sou, fui atrás da jurisprudência pinçada, tão antiga, e achei: 'FURTO – coisa abandonada – atipicidade A conduta de quem se apodera de coisa casualmente encontrada em terreno baldio, não constitui infração penal, uma vez que a res derelicta não pode ser objeto material de furto, nem de apropriação de coisa achada. (Apelação nº 600.883, julgado em 21/03/1991, 7ª Câmara, Relator: - Corrêa de Moraes, RJDTACRIM10/77).' Então, fiquei pensando que talvez, muito talvez, esse julgado não se aplicasse ao caso, até porque o próprio MM. Juiz desmistificou a justificativa para o apoderamento momentâneo e desinteressado, ou seja, casual, que é o ponto central do caso paradigma, além do que pode parecer impróprio assemelhar um cemitério municipal a um terreno baldio, chamando a atenção, ainda, à escassez de julgados mais recentes que melhor servissem à tese. Ainda na decisão, disse e repetiu o Juiz que as informações que retratavam o jazigo apresentado em defesa não era, de fato, o mesmo jazigo de onde foram subtraídos os vasos, ou seja, que as fotos não representavam o mesmo jazigo, mas que o verdadeiro, aparentemente, se tratava de local com aspecto de abandono, 'o que poderia induzir de que se tratava de coisa sem dono, largada'. Daí, concluiu o Juiz em sua decisão que, embora não sendo moralmente aceitável o ato de apoderamento do que não lhe pertencia, poderia o estilista ter tido a impressão de que se tratava de coisa sem dono, até porque, durante a instrução, ninguém compareceu em juízo para reclamar. E julgou improcedente o pedido, absolvendo o acionado, mencionando a jurisprudência do TRACRIM-SP-AC-rel. Correa de Moraes - RDJ 10/77. Mesmo para as sepulturas consideradas em abandono pelo serviço funerário, existem regras que devem ser seguidas. No caso, há a Resolução nº 3, de 17/2/1997, do Serviço Funerário Municipal de São Paulo, que atinge o Cemitério do qual foram subtraídos os vasos em questão, em cujo artigo 8º, dispõe, expressamente, que 'Artigo 8º - Decorridos 30 (trinta) dias da extinção da concessão, os restos mortais serão transladados para o ossário geral e retirados todos os materiais encontrados no terreno, podendo o mesmo ser objeto de nova concessão.' Assim, todos os materiais, incluindo os vasos, é claro, que se encontravam naquele jazigo, no cemitério e não em um terreno baldio, ainda que em vias de nova concessão em vista de ter sido considerado abandonado pelo permissionário anterior, seriam, obrigatoriamente, retirados pela administração municipal, e lá não estavam à disposição de terceiros, para deles se apoderarem, sob discutíveis pretextos, a seu bel-prazer. Até porque, a coisa abandonada, a res derelicta assim considerada, seria o bem material expressamente rejeitado pelo seu proprietário, ou seja, a coisa que teve um dono que renunciou a sua propriedade que, segundo consta, jamais foi chamado ao processo. Finalmente, há que considerar que os cemitérios, como, aliás, é comum a tudo o que esteja sob a responsabilidade e cuidados da administração pública, é alvo de constantes violações e má conservação. É o que acontece com jardins, praças e parques que, nem por isso, podem ser considerados res nullius, e suscetíveis de apropriação como forma originária de aquisição. Especificamente quanto aos cemitérios, são comuns os casos de túmulos violados, furtos de lápides e objetos das lápides e, até de partes de corpos e de objetos que foram enterrados com os corpos, sem falar dos ornamentos dos caixões e dos metais dos túmulos. São covas abertas, mato alto, calçadas destruídas, tudo dando a ‘impressão’, aquele ‘aspecto de abandono’ ao qual se referiu o magistrado em sua decisão. Mas, nem por isso, pessoas entram com sacolas nos cemitérios, estacionam seus carros irregularmente, escolhem o que desejam levar e de lá saem com os despojos escolhidos. No mínimo, trata-se do mais absoluto desrespeito à memória dos mortos. De notar, também, que a r. sentença agora prolatada, pode ser até perigosa, face à jurisprudência criada, de que é possível, sem que constitua infração penal, subtrair coisas de locais sob a responsabilidade da administração pública que dêem a impressão de abandono, aspecto normal nos dias de hoje das praças, parques e, principalmente dos cemitérios, locais onde os que lá estão não costumam reclamar e nem comparecer espontaneamente em juízo em busca dos ornamentos de suas tumbas. Já se pode pensar em hordas de interessados acorrendo aos cemitérios para, amparados pelos termos da 'acertada sentença', correrem aos cemitérios, em busca do que lhes pareça abandonado, do que dê a impressão de abandono, antes que outro pegue em seu lugar. Melhor teria sido que a r. sentença fosse cumprida. E só. Nos termos em que foi proferida, e tratando-se dos fatos que a ensejaram, melhor que não tivesse voltado às páginas de Migalhas, pelo pouco que nos traz do que seja moralmente aceitável, como bem deixou claro o MM. Juiz. Conta-se que em um casamento, o padre, a uma certa altura disse aquela conhecida frase: 'Se alguém tem algo contra esse casamento, que digam agora, ou se cale para sempre'. Foi quando, lá do fundo, uma voz se fez ouvir: 'Eu me calo para sempre'. É isso aí. Melhor calar para sempre." Envie sua Migalha