Lei Maria da Penha

29/10/2007
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"A Lei Maria da Penha, como é chamada a Lei 11.340/2006, alterou o Código Penal Brasileiro, de modo a possibilitar que agressores de mulheres no âmbito familiar ou doméstico sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada, impedindo que esse tipo de agressor possa ser beneficiado com penas alternativas, possibilitando, também, o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A Lei prevê, ainda, medidas especiais, como a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida e dos filhos. Na contra-mão, um Juiz de Sete Lagoas/MG, Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que exerce a função de juiz criminal e de menores, vem utilizando uma sentença padrão em sua comarca, que abrange oito municípios da região metropolitana de Belo Horizonte, negando vigência à Lei Maria da Penha, repetindo sempre os mesmos argumentos para sistematicamente rejeitar pedidos contra homens que agridem e ameaçam sua companheiras. Para o juiz, a Lei não passa de um 'monstrengo tinhoso'. Em uma das sentenças, assim se manifestou: 'É, portanto, por tudo isso que, de nossa parte, concluímos que, do ponto de vista ético, moral e filosófico, religioso e até histórico, a chamada Lei Maria da Penha é um monstrengo tinhoso'. No entender do magistrado, a referida lei não passa de 'um conjunto de regras diabólicas'. Considerando a Lei Maria da Penha inconstitucional, o juiz explica que 'Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem. O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem! As sentenças do MM. Juiz, ao que parece, vem resgatar a masculinidade perdida. E, na defesa dela, da fragilidade do homem face aos avanços das mulheres, é que ele, qual paladino na luta de todos nós, critica 'A mulher moderna, dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides'. Por isso, a revolta contra essa Lei que 'a vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais, o homem subjugado'. O MM. Juiz, acostumado às coisas da justiça melhor que nós, na lida diária em que se depara com mulheres reclamando de ameaças e agressões de seus maridos, está por certo preparado para analisar, com discernimento superior o que lhe pedem e, como Arthur Schopenhauer (em 'As Dores do Mundo – Esboço acerca das mulheres'), bem sabe que

'É, portanto, a injustiça o defeito capital dos temperamentos femininos. Isso resulta da falta de bom senso e de reflexão que já frisamos, e o que agrava, ainda mais, esse defeito, é que a natureza, recusando-lhes a força, deu-lhes a astúcia, para lhes proteger a fraqueza: donde resulta a instintiva velhacaria e a invencível tendência para a mentira.

 

O leão tem os dentes e as garras, o elefante e o javali as presas, o touro os chifres, a siba a tinta, que lhe serve para turvar a água em volta dela; a natureza deu à mulher para se defender apenas a dissimulação; esta faculdade supre a força que o homem tira do vigor dos membros e da razão. A dissimulação é inata na mulher, tanto na mais esperta como na mais tola. É-lhe tão natural usá-la em todas as ocasiões como a um animal atacado defender-se com suas armas naturais; e procedendo deste modo, tem até certo ponto consciência dos seus direitos; o que torna quase impossível encontrar uma mulher absolutamente verdadeira e sincera. É justamente por este motivo que ela compreende tão facilmente a dissimulação dos outros e que não é prudente usá-la com ela. Desse defeito fundamental e das suas conseqüências nascem a falsidade, a infidelidade, a traição, a ingratidão, etc. Também as mulheres juram falso perante a justiça mais frequentemente do que os homens, e seria um caso para tratar, saber se se deve admiti-las a prestar juramento.'

Sabedor disso tudo, não poderia o MM. Juiz aceitar uma Lei que dá à mulher esse direito absurdo de, com sua dissimulação e sua notória capacidade de mentir e, com base nela, subjugar os homens e ajudar a 'desfacelar' - eu prefiro esfacelar, que existe - a família. Nosso governo não atentou, talvez por desconhecimento histórico - fato também mencionado pelo Juiz - que nos idos de 1791, uma cidadã francesa, Olympe de Gouges, cujo nome verdadeiro era Marie Gouze, no auge da revolução, propôs à Assembléia nacional uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (clique aqui) com a qual pretendia igualar-se à outra do homem, antes aprovada pela mesma Assembléia. E o que aconteceu? Acabou denunciada como uma mulher 'desnaturada' e morreu na Guilhotina em 1793. Foi por isso, exatamente por isso, que mais recentemente, foi aprovada uma Nova Declaração Universal dos Direitos da Mulher (clique aqui), que por certo norteia o pensamento e as decisões do Juiz de Sete Lagoas em sua defesa da masculinidade e na luta pela revalorização do homem, esse ser tão incompreendido e fragilizado. Dada a negativa repercussão das sentenças, o magistrado houve por bem produzir uma nota de esclarecimento (clique aqui), na qual reitera que 'o mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, e explica os motivos de suas conduções que, em seu entender, não são machistas, mas a visão de um homem que quer amar e proteger o ser mulher e, em especial, a sua mulher. Em seu entendimento, em uma situação de absoluto e intransponível impasse entre marido e esposa sobre determinada e relevante questão doméstica, deverá prevalecer a decisão do marido. Forçoso reconhecer, por outro lado, que o MM. Juiz de Sete Lagoas não está sozinho. Uma outra sentença, proferida pelo juiz da Vara Única de Itaporã/MS, também julgou a Lei Maria da Penha inconstitucional, 'por ter criado discriminação, pois coíbe a violência contra a mulher e não a que porventura exista contra homens'. Dessa decisão recorreu o Ministério Público Estadual (recurso 2007.023422-4), que foi julgado em 19/9/2007 pela 2ª Turma Criminal do TJ/MS, que manteve a decisão de primeira instância, pelo voto dos Desembargadores Claudionor Miguel Duarte, Romero Osme Dias Lopes e Carlos Eduardo Contar, o que enfraquece a Lei Maria da Penha. O Desembargador Contar, em seu voto, reafirma os direitos fundamentais garantidos, igualmente, aos homens e às mulheres, e que qualquer medida 'protetiva' de cunho infraconstitucional configura-se em afronta à isonomia entre os gêneros prevista na Constituição. '(...) Quando a Carta Magna, dentre o rol de direitos fundamentais, consagrou igualdade entre homem e mulher, estabeleceu uma isonomia plena entre os gêneros masculino e feminino, de modo que a legislação infraconstitucional não pode - sob qualquer pretexto - promover discriminação entre os sexos, em se tratando de direitos fundamentais, eis que estes já lhes são igualmente assegurados', afirma o desembargador. Assim, ao concluir seu voto, Dr. Contar sustenta que a Lei Maria da Penha 'viola o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres', razão pela qual reconhece, para este caso concreto, a inconstitucionalidade da referida norma jurídica. O desembargador Claudionor Duarte também votou como o relator, de modo que a decisão da 2ª Turma Criminal do TJ/MS é unânime. Agora, é esperar para ver o que vai dar. No final das contas, iura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur, ou 'não se estabelecem as Leis para determinados indivíduos, mas para todos os cidadãos' (Ulpiano, Digesta 1.3.8)."

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