Caso Jean Charles 5/11/2007 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "Humor britânico. Tem quem goste e quem não goste do humor britânico. Mesmo entre nós há muitos apreciadores do Grupo Mont Piton e que tem saudades do seu humor que outros simplesmente detestavam. Nas televisões a cabo há séries inglesas que certas pessoas qualificam de absolutamente sem graça, enquanto outras se esbaldam em gargalhadas. O humor inglês pode ser difícil de entender. Eu, por exemplo, gosto muito. Mas, realmente, achei meio sem graça a solução do caso Jean Charles, mais uma obra, sem dúvida, do English sense of humor. Dois anos de processo e afinal, a solução: realmente o brasileiro foi assassinado com sete tiros na cabeça, sem qualquer motivo. Não se parecia com o terrorista perseguido, não esboçou reação, não pulou as catracas do metrô em fuga, não havia ordem para matá-lo e, na defesa, a Scotland Yard fraudou provas e filmes das câmeras internas do metrô de Londres. O julgamento concluiu que a polícia inglesa cometeu uma série de '19 erros catastróficos', incluindo o de modificar fotos intencionalmente para tornar, posteriormente, Jean Charles parecido com o terrorista procurado, para justificar o homicídio, por mentir alegando que Jean Charles teria reagido quando as filmagens mostraram o contrário e a justiça decidiu, expressamente, que 'a polícia não está acima da lei', e a condenou por 'violação das leis de saúde e segurança durante a operação'. Saúde e segurança de quem? Aí é que está! De Jean Charles? Não, dos ingleses que foram incomodados na viagem de metrô em que tudo aconteceu. O fato de um eletricista brasileiro ter recebido sete tiros à queima-roupa na cabeça, por certo, foi um acidente de percurso, um mero 'efeito colateral'. O caso, no entender do chefe de polícia Ian Blair, 'não apresentou nenhuma prova de falha sistemática da polícia metropolitana', por isso que os 15 policiais, perfeitamente identificados pelos nomes nos filmes das câmeras internas do metrô, não foram punidos, por não haver provas suficientes para acusar nenhum individualmente. A condenação? É aí, justamente, que está o sense of humor britânico. A polícia deverá pagar uma multa de US$ 380 mil mais as custas do processo, mas o dinheiro não vai para a família de Jean Charles. Vai para os cofres britânicos. Ou seja, a polícia britânica, condenada, vai pagar uma multa, utilizando recursos dos contribuintes britânicos, de volta para o tesouro britânico. É uma aplicação prática do princípio de Lavoisier: nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. E, acima de tudo, uma prova de que, talvez, o humor britânico, como acham alguns, não passe de piada de mau gosto. Mas, como sempre procuramos aprender com os países de primeiro mundo, poderíamos pensar em estabelecer no Brasil normas desse tipo para as atividades policiais tidas como abusivas, como nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo. Após cada operação, levanta-se o saldo e a contabilidade: tantos mortos, tantos adultos, homens, mulheres e crianças, quem são traficantes, quem tem ficha e quem não tem, quem é civil e quem não é, com uma tabela pré-estabelecida, soma-se tudo e a polícia paga uma multa... aos cofres do Estado. Pode-se até pensar em suprimir essa instância do julgamento dos policiais, pura perda de tempo e de dinheiro. E deixar de lado, também, o pagamento em espécie, já que tudo vai acabar em precatórios, e estudar uma compensação entre Secretarias do Estado, e ficamos todos felizes. Até o Capitão Nascimento e a Tropa de Elite." Envie sua Migalha