Governo brasileiro

14/6/2004
Alice Maria - Fortaleza/CE

"'A mão que afaga é a mesma que apedreja'. (Augusto dos Anjos). Esse país não existe! Quando a gente pensa que foram esgotadas todas as nascentes de produções absurdas, eis que surge uma nova fonte de indignação. É incrível como, dia após dia, somos lançados ao alvedrio dos "homens públicos". Estampada nas capas dos jornais de maior circulação do estado do Ceará estava a seguinte expressão: "Governo perderá "n" milhões se a cobrança previdenciária dos já aposentados e pensionistas for considerada inconstitucional". De pronto, imaginei que também poderiam ser manchetes de jornal as seguintes frases: "Real perderá a paridade com o Dólar", ou "Futebol brasileiro perderá medalha de ouro olímpica", ou ainda "Brasil perderá a condição de país que melhor distribui rendas". Ficou claro? A pergunta é: como é que se pode perder algo que a si não pertence? Como se perder algo que não se tem? A submissão legislativa em muito nos empobrece. Se, realmente, aqui existisse um sistema de "freios e contrapesos", cada "Poder" teria a nobre missão de controlar os excessos dos outros. Acontece que, neste país chamado Brasil, a hipertrofia do Executivo, aliada ao descaso Legislativo, tem produzido flagrantes barbaridades. Some-se a isto a imprensa "faz-de-conta" que aqui domina. Voltando à inconstitucionalidade da taxação de aposentados e pensionistas, tenho a impressão de que, fosse isso aqui um país sério, as pessoas não tanto se revoltariam, pois teriam a certeza de que aquele ato, mesmo contrário ao seu interesse, teria uma nobre finalidade, como talvez uma busca de melhor distribuição de renda. Acontece que aqui é Brasil. A ira renasce quando se vê que, por exemplo, no Estado do Ceará, segundo noticiou um jornal local, o montante arrecadado com essa indevida taxação será exatamente o mesmo consagrado como aumento aos juízes estaduais. É difícil, muito difícil não se revestir de indignação e tristeza. É engraçado como, neste país, a verdade é invertida de forma tão astuciosa. Na faculdade de Direito, é comum estarmos estudando um assunto, principalmente relacionado ao Direito Constitucional, ao que vemos o professor deixar claro que ali é o "dever ser", pois o "ser" aplicado no Brasil é exatamente o oposto. Exemplifico. Você acredita que, aqui no Brasil, o chefe do Executivo que não cumprir decisão judicial estará cometendo um crime de responsabilidade, sujeito, portanto, a processo de impeachment? Você também confia que são crimes de responsabilidade todos os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal? Pode rir à vontade... Bom mesmo seria que a inocência pueril nos acompanhasse por todo o sempre. Acredito que o Supremo Tribunal Federal irá declarar tais descontos previdenciários dos já aposentados e pensionistas quando da promulgação da Emenda Constitucional n° 41 como inconstitucionais. Pena que, até lá, os descontos continuarão a ser efetuados (mas claro que devolvidos, "a perder de vista”, pelo sistema de "precatórios especiais"). Registre-se que os julgadores mais sensatos já estão declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade dessa imoral taxação. Palmas para eles. Por fim, suplico aos legisladores que sejam mais zelosos e prudentes ao exercerem os mandatos a vós confiados. Dá muito trabalho reverter as mazelas provocadas pela má atuação do Poder Legislativo. Àqueles que chegaram a esta última linha, obrigada pela consideração. Permaneçam todos na paz de Deus."

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