Big Brother Brasil

9/1/2008
Daniel Silva

"Eu sou fã de Big Brother. E digo logo: George Orwell não existiu. Esse era apenas um pseudônimo de Eric Blair. Mas talvez eu tenha mesmo baixo nível cultural. Vai ver Deus quis assim. Eu gostaria de ter estudado para poder impor aos outros o que é bom ou ruim. Queria poder dizer a eles que o Big Brother é uma coisa imbecil e que eu, inteligente, só assisto à TV Justiça o dia inteiro, vendo pessoas falando 'Excelência' o tempo todo. Ver teses esdrúxulas parecerem inteligentes por estarem cobertas com um português rebuscado. Exigir programas de televisão de alto nível cultural que nunca assistirei porque são muito chatos. Exigir alta cultura para poder dizer que Sócrates foi um jogador da seleção. Assistir programas de tubarões comendo focas e de leões atacando gazelas e me sentir mais culto. Rir dos outros por falar 'pobrema' enquanto continuo separando o sujeito do predicado com vírgula. Reclamar de incultos que assistem ao Big Brother ao invés de ler, como eu, livros clássicos da literatura mundial, como Paulo Coelho, Jô Soares e Chico Buarque. Dizer aos outros que deveriam ler Darcy Ribeiro e Elio Gaspari enquanto ignoro a existência de escritores como Eric Voegelin e Jan Huizinga. Enaltecer os livros no Brasil, ignorando o imenso déficit de livros e que no Brasil não tem praticamente nada de Russell Kirk, Ludwig von Mises, Leo Strauss, Eugen Rosenstock-Huessy, David Horowitz, Irving Kristol e Thomas Sowell. Afirmar, ante esse mercado literário do Brasil (livros, jornais e revistas), que não ler é analfabetismo e não questão de higiene mental. Assistir um desconhecido na TV e dizer que quem deveria estar no lugar dele é um ex-quase-presidente de outro país que espalha medo e terror pelo mundo através de mentiras em um documentário, reconhecidas até por uma decisão judicial na Inglaterra. Generalizar o meu gosto (ou da maioria) para toda a população de um país (um grande nós), sendo incapaz de enxergar a individualidade de uma escolha. Dizer a todos que o Big Brother é imposto sobre o Brasil ao mesmo tempo em que me nego a reconhecer que, estando somente na televisão, eu posso mudar de canal ou simplesmente desligá-la. Decretar que os outros devem assistir ao que eu digo, enquanto eu assisto ao que eu quero. Bater no peito para dizer que nunca assisti a um programa, mas que o condeno com todas as forças do meu ser porque nele só tem burrice. Mas infelizmente eu não sou culto. Sou burro. Abandonado em divagações sobre o Ser, a Verdade e o Certo. Lutando para compreender Pitágoras, Platão e Aristóteles, tão acima da minha burrice. Sou um mero inculto que assisto ao Big Brother como um programa de entretenimento ao invés de assisti-lo como um programa de cultura."

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