Férias forenses

14/1/2008
João Pedro C. V. Pádua - escritório Melaragno Costa e Pádua Advogados Associados

"Li a carta do exmo. des. Ruy Coppola sobre o Projeto do sen. Eduardo Suplicy (Migalhas 1.816 – 11/1/08 – "Férias Forenses" – clique aqui). De fato, há vício de iniciativa no Projeto, o que o tornaria inconstitucional em contraste com o art. 61, § 1º, II, b da CF/88. De fato, alguns dos motivos levantados pelo senador na justificativa do Projeto, especialmente os pragmáticos, carecem de fundamentação empírica mais explícita. Mas o que realmente causa espécie é o fato de que, ainda hoje, os membros da magistratura procurem defender os seus 60 dias de férias. Por ser um benefício que o regime geral da maioria dos trabalhadores - e mesmo o regime jurídicos dos servidores públicos em geral - não contempla, estes 60 dias enquadram-se perfeitamente na noção técnico-jurídica de privilégio - algo que só alguns sujeitos ou órgãos têm. Por não terem qualquer defesa jurídica ou política aceitável, são, também, em termos de uso comum, um privilégio odioso. A justificativa do Projeto de Lei em questão, de fato, equivocou-se ao lançar o foco principal sobre uma questão lateral, indiretamente ligada ao mérito do Projeto: a morosidade da Justiça. No entanto, também consta da justificativa o ponto principal e direto. Há que acabar, numa república - e nós o somos, pelo art. 1º da CF/88 -, os privilégios dos agentes públicos que em nada se conectem com o mister a que se dedicam, senão com uma certa deferência estamental e patrimonialista à sua ‘importância’ objetiva. E isso vale, também, para membros do Congresso Nacional ou das demais casas legislativas, os quais, neste ponto, junto dos magistrados nada mais são que funcionários públicos, embora detenham parcela da competência soberana do Estado. No mais, o argumento implícito na carta do exmo. magistrado - que, quanto ao resto, lidou unicamente com o vício de iniciativa e com parte da justificativa do projeto, não com seu mérito - tem de ser, de uma vez por todas, sepultado: o de que os magistrados 'merecem' estes 60 dias, porque trabalham muito, ou, um argumento variante, o de que 'é preciso' férias para dar sentenças. Ora, neste ponto, certíssima a justificativa do Projeto. Os magistrados não trabalham mais do que muitos outros cidadãos brasileiros, que, por vezes, nem férias gozam direito, porquanto trabalham na iniciativa privada. Ademais, estas dificuldades inerentes ao cargo - que incluem a responsabilidade decorrente do poder ostentado - são sabidas e 'consabidas' por todos da comunidade jurídica. Daí por que, os candidatos a magistrados não podem alegar nisso uma surpresa. Diga-se, ainda, que, em comparação à infra-estrutura - espaço físico, material e mobiliário de trabalho, informatização dos serviços - de muitos órgãos dos outros Poderes, os magistrados da maioria das unidades da federação muito pouco têm do que se queixar. Enfim, se algum mérito o Projeto vá ter, certamente será o de trazer de novo à tona este imprescindível debate."

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