Futebol

29/1/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Muitas entidades vivem de contribuições de seus associados e/ou filiados, contribuições nem sempre voluntárias, como acontece, por exemplo, com certos partidos políticos, como o PT, que insculpe tal obrigação em seu próprio estatuto, não só de parte de seus associados de uma maneira geral, mas também de parte daqueles que encaminhou para cargos públicos, cujos proventos são, obrigatoriamente, dizimados em favor do partido, sob pena, até, de perda do cargo. Clubes e associações esportivas, da mesma forma, vivem à custa das doações e mensalidades de seus sócios e filiados, já que nada produzem e nem comercializam, mas necessitam manter seus serviços. O mesmo acontece com as religiões, crenças ou seitas, em nosso país laico, no qual a liberdade de culto é garantida constitucionalmente e as Igrejas não estão sujeitas ao recolhimento de certos impostos, por exemplo. As religiões, aliás, todas elas, sem exceção, vivem à custa de doações de seus fiéis, desde que o mundo é mundo, doações que, no curso da história, não se limitou à coleta nos cultos, missas etc, mas à doação de imóveis e bens de altíssimo valor, como todos sabem, valores com os quais mantém suas obras. Na Baviera, região católica encravada em um país de maioria protestante, existe a exigência de declaração, ao assumir um funcionário um emprego em empresa privada, expressa de sua religião. No caso de ser a religião católica a declarada, o dízimo é descontado da folha de pagamento, diretamente, sem que o funcionário, se católico for, não poderá, por exemplo, casar-se em igreja católica, ou nela batizar seus filhos, ou ser enterrado em cemitério católico. No Brasil, um dos países mais religiosos do mundo, hoje um dos países mais evangélicos do mundo, existem diversas denominações pentecostais, dentre elas a Igreja Renascer, que enfrenta conhecidos problemas, o maior deles o Promotor Marcelo Mendroni que, após interessante perseguição aos seus líderes, volta-se agora contra seus fiéis. E não contra um fiel qualquer, contra um fiel específico, Kaká, o melhor jogador de futebol do mundo, jovem que é a glória esportiva do Brasil, educado, bem casado, de família bem constituída, que tem como único defeito, segundo consta, ter se colocado no caminho do promotor em sua perseguição à Igreja Renascer. O Promotor Marcelo Mendroni, no uso de suas atribuições, manda intimar Kaká, para que informe sobre o dízimo que paga à Igreja da qual é fiel. Mas, isso não é só. Na lista de perguntas que preparou para o jovem Kaká, quer saber se o jogador é amigo dos líderes da Igreja, se os recebe em casa, se os visita na casa deles, quanto é o dízimo e se pode informar qual o destino dos valores que, sob a forma de dízimo, entrega à sua Igreja. Parte dessas perguntas melhor seriam feitas em um confessionário, se o Promotor sacerdote fosse, já que, ao que consta, não parece ser da conta de ninguém quem são as amizades do jogador, e nem quem recebe em sua casa e nem quem visita quando deseja fazê-lo. Até porque, mesmo em se pensando em um confessionário, tais indagações só caberiam na época da Santa Inquisição, de triste memória, assim como seu personagem Torquemada, hoje relegado à história. Mas, interessa ao Promotor que Kaká informe se declara tais doações por dízimo e se é conhecedor da destinação de tais verbas que, no entender do promotor, que não administra a Igreja, não são de seu agrado. A esta altura é curioso notar que a preocupação do Promotor é dirigida a uma denominação pentecostal específica, quando todas – repita-se – todas as religiões, crenças e seitas em um país em que existe liberdade de culto e equiparação entre todos, agem exatamente da mesma forma para sobreviver, ou seja, da doação de valores de seus respectivos fiéis. Ou imagina o promotor que alguma outra Igreja, a sua, por exemplo, se é que professa alguma religião, vive da indústria de produtos ou do comércio de outros tantos, ou de operações financeiras privativas de estabelecimentos autorizados a tanto? Fica então, a questão da declaração: quer saber o Promotor se Kaká declara Imposto de Renda os valores que, como fiel e voluntariamente, doa à sua igreja. O Promotor pergunta porque não sabe, por certo, já que, se soubesse não perguntaria. Mas, interessa ao Promotor somente o que Kaká doa ou declara, ou o que se doa ou declara de uma maneira geral? O Promotor ficou interessado no assunto porque sabidamente Kaká, como noticiou os jornais, ganha um polpudo salário do Milan, time pelo qual joga, o que significa que polpudo também é o dízimo, ou salários/dízimos grandes, ou médios, ou pequenos também interessam? Ou então pode? É claro que se Kaká fosse Promotor, por exemplo, seu salário seria menor, muito menor – os jogadores de futebol ganham muito mais – e daí poderia pagar um dízimo bem menor. Mas, segundo Kaká, graças a Deus, ganha muito bem, o que lhe possibilita, voluntariamente, a satisfação de um dízimo muito superior. Se Kaká sabe qual a destinação dos valores que entrega para sua Igreja? Ora, sabe tanto quanto sabe qualquer fiel de qualquer religião, denominação, crença ou seita, ou imaginará o senhor Promotor que os cidadãos brasileiros, que colaboram com sua Igreja, com doações em suas visitas à Santa Sé, em Roma, tem qualquer garantia que tais valores não serão juntados aos milhões que pagam indenizações por atos de pedofilia com os quais não concordam? A propósito, estará o diligente promotor pensando em intimar todos os cidadãos brasileiros que comparecem a cultos ou missas outras, que apresentem provas de declaração de suas respectivas doações? Ou os cidadãos brasileiros que visitam Roma serão intimados, em sua volta ao Brasil, a comparecerem ao Ministério Público, para responderem às mesmas perguntas com as quais se incomoda Kaká?"

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