Segurança Corporativa

7/2/2008
Pedro José Alves – advogado, Rio de Janeiro

"Pois é, farreei muito no Carnaval. Vesti-me de digitador e debrucei-me sobre o teclado do meu computador. Sambei bastante os dedos, extraindo da universalidade do mundo virtual os trevos da sorte, que me proporcionaram informações que gostaria de lhes repassar. É uma questão constitucional, para nós, brasileiros, mas simplesmente legal, para os franceses e outros nacionais. Refiro-me a uma decisão do Tribunal de Grande Instância (TGI) de Paris que condenou um ex-Consultor de Informática de uma empresa francesa, e seu irmão, ex-empregado da mesma empresa, a seis meses de prisão, com sursis. Bom, aparentemente nada há de especial nisso. Não para merecer um destaque. Todavia, o que deve ser sublinhado surge a partir da norma constitucional brasileira, inscrita no Art. 5º, respectivamente incisos X e XII. O caput do Art. 5º tem um enunciado que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme enumera a seguir. Na enumeração, ao incluir o inciso X, garante a inviolabilidade à intimidade. Logo a seguir, no inciso XII, garante a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso (a comunicação telefônica), a quebra da inviolabilidade por ordem judicial, mas mesmo assim somente nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (a questão do devido processo legal duplo, isto é, o devido processo legal do processo penal e o devido processo legal da quebra da inviolabilidade das comunicações telegráficas). Sim, porque não há apenas o procedimento penal, é mister que os requisitos legais, inscritos na lei adrede vigente, para a quebra do princípio da inviolabilidade, sejam atendidos. Mas a decisão proferida pelo TGI, conforme noticia o site LEGALIS. NET, foi proferida porque foi invadido, pelo referido Consultor, o correio eletrônico de Terceiros, para o que ele usou o código de acesso de que tinha conhecimento, em razão de suas atividades. Há um aspecto muito interessante, na redação do relato deste fato. É que o redator da notícia, tendo em conta que é um site especializado em aspectos jurídicos, ligados à informática, inicia a informação da seguinte forma: 'Le simple fait de consulter.....' (O simples fato de consultar...). Note-se que aquilo que o relator chama de '...simple...' consistiu exatamente no fundamento, na causa determinante da condenação. A materialidade estava em que o antigo Consultor da empresa francesa, que não mais nela trabalhava, a) deteve as senhas dos administradores da sociedade, que conhecia por dever de ofício; b) usou as referidas senhas para obter informações que julgava de seu interesse pessoal; c) os administradores desta sociedade em que trabalhara o ex-Consultor jamais se preocuparam em substituir as suas respectivas senhas, após a saída do Consultor. As vítimas da quebra do segredo de correspondência e da fraude ao sistema automatizado de dados está bem caracterizada, na medida em que as informações obtidas objetivavam controlar a existência da eventual compra da empresa fraudada por uma outra empresa, onde o irmão do Fraudador trabalhara, também. A decisão foi criminal e não há referência de conseqüências cíveis, que tenham alcançado a empresa que pensava o tal Consultor ser a eventual adquirente de seu antigo Empregador. Mas a decisão do TGI foi clara, no sentido de que o TGI considera '... l'utilisation d'un code d'accès à une messagerie par um ancien salarié constitue bien une manoeuvre, l'intéressé ayant parfaitement conscience qu'il n'a plus le droit d'utiliser ce code et qu'il ne fait plus partie de la liste des personnes autorisées.' (a utilização de um código de acesso a uma caixa de mensagem, por um antigo assalariado, bem constitui uma manobra, o Interessado tendo perfeitamente consciência de que não mais tinha o direito de utilizar este código e que ele não mais fazia parte da lista de pessoas autorizadas). Também é expressivo notar que o Irmão deste ex-Consultor de Informática, que também tinha sido assalariado na mesma empresa fraudada, antes de ser contratado pela empresa concorrente, foi condenado por omissão (recel). A conclusão do redator da informação, como não poderia deixar de ser diferente, foi exatamente sobre a necessidade, em todas as organizações, de cuidar a Administração de modificar regularmente as senhas e os códigos de acesso de seus sistemas. A cada dia, ao ler notícias como a que venho de relatar, assusta-me assistir às ações de Cidadãos brasileiros que, simplesmente por estarem servindo, transitoriamente, ao Poder, investem-se de ânimo e coragem para agirem contra princípios que no Brasil são constitucionais, mas que em outros Países são, também simplesmente, normas legais! Será que tais Cidadãos não se dão conta de que, eles próprios, ao não mais estarem junto ao Poder, poderão vir a se tornar vítimas dos atos de um outro Poder, que lhe sucederá, e que se espelhe nos precedentes, para cometer atos tais como o de ignorar as disposições que se inscrevem no Art. 5º, de nossa Constituição? Colegas, é triste presenciar o auto-julgamento dos Cidadãos, que investidos de Poder, buscam criar valorização pessoal e atributos que lhes propiciem benefícios hierárquicos ou homenagens sociais, à custa de enunciados principiológicos que deveriam ser preservados especialmente para manutenção da segurança jurídica, que um recente Relatório do Conselho de Estado francês sintetiza, afirmando: 'Au-delà des seuls juristes, cette question concerne aujourd'hui l'ensemble des citoyens, tant ses enjeux sociaux et économiques sont essenciels dans un Etat de droit.' (Além dos juristas, somente, esta questão concerne, hoje, aos Cidadãos, em razão de que seus interesses sociais e econômicos são essenciais em um Estado de Direito). Num Relatório que data de 1991, o Conselho de Estado já tinha chamado a atenção dos Cidadãos sobre os interesses que se constituem na qualidade, na estabilidade e acessibilidade das normas pelo Estado de Direito. E disse o referido Conselho de Estado, naquela oportunidade: 'Quand le droit bavarde, le citoyen ne lui prête qu'une oreille distraite' (Quando o Direito dispõe futilmente, o cidadão não lhe dá atenção!) E o mesmo Conselho de Estado, no Relatório de 2006, sublinha que 'Le principe de sécurité juridique implique que les citoyens soient, sans que cela appelle de leur part des efforts insurmontables, en mesure de déterminer ce qui est permis et ce qui est défendu par le droit applicable. Pour parvenir à ce résultat, les normes édictées doivent être claires et intelligibles, et ne pas être soumises, dans le temps, à des variations trop freqüentes, ni surtout imprévisibles.' (O princípio da segurança jurídica implica que os Cidadãos estejam, sem que para isso tenham que desenvolver esforços excessivos, em condições de determinar o que lhes é permitido e o que é disposto pelo direito aplicável. Para alcançar este resultado, as normas editadas devem ser claras e inteligíveis, e não serem submetidas, no tempo, a variações muito freqüentes, nem, sobretudo, imprevisíveis). E, diria eu, já que a sistemática princípiólogica que temos não se encontra no sistema constitucional francês, que observem as leis os princípios e as normas constitucionais."

Envie sua Migalha