Cartão Corporativo

7/2/2008
Pedro José Alves – advogado, Rio de Janeiro

"Nem bem divulguei umas notas, sobre algumas reflexões sociológicas do Prof. Miguel Reale Júnior e o caso do Cartão de Crédito da ex-ministra Matilde Ribeiro, que se excedeu nos gastos com seu cartão e culpou seus Assessores, que não a advertiram das regras sobre o uso do cartão, eis que, durante o Jornal Nacional da Globo, levado ao ar nessa segunda-feira, ouço uma explicação da presidência da república sobre os excessos de gastos da filha do Presidente da República, que mora em Florianópolis. Tais gastos tinham sido publicados num site do Governo – não me lembro mais do nome do órgão que o publicou, mas a Folha de São Paulo tornou pública a publicação! A questão interessante do pronunciamento do porta-voz da presidência, foi de que tais despesas não deveriam ter sido divulgadas. É que seriam daquelas que tiveram vetadas sua publicação e que o Congresso Nacional aprovou até um certo limite, sob o rótulo de verbas secretas. Senhores, Colegas, por muito menos o Sr. Collor de Melo foi caçado e cassado! E não sou um fã dele, ao contrário! Meus Caros, a boa governança se faz especialmente com gestão, com transparência, com princípios e Ética. O que estamos assistindo, passivamente, é o voluntarismo governamental a cada dia mais ambicioso quanto aos recursos que os Cidadãos amealham com o que produzem e, estamos convictos pelo que estamos vendo, assistindo, ouvindo, presenciando pelos documentos que nos são mostrados, mais buscarão tomar, com o apoio incondicional daqueles que se estão beneficiando com tais recursos, isto é, os Partidos da 'base governamental'. Eu não ia escrever sobre este tema, afinal. Minha idéia se iniciou pela leitura do artigo El lenguaje de los políticos, de autoria do jornalista Lluís Foix, no jornal espanhol La Vanguardia, de hoje. Conta-nos o ilustre periodista ter lido no New York Times daquele dia um artigo do jornalista Frank Rich, no qual era explicado que Kennedy 'superó las dificultades objetivas para ganar a Nixon en 1960 introduciendo la poesia en su discurso y recogiendo los deseos de cambio de la sociedad americana'. Lembrei-me, em seguida, do artigo do Prof. Miguel Reale Júnior, intitulado 'O gosto do mal e o mau gosto' e comecei a ficar aterrorizado. O Prof. Miguel Reale Júnior, em determinado trecho de seu artigo, constata que vivemos 'Sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores humanos'. E, neste ponto, me lembro de um trecho, quase ao final de seu artigo, em que o Prof. Miguel Reale Júnior registra que 'O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.' Neste ponto, quase tenho uma síncope: é que me constatei exatamente nesta situação. Trabalhei trinta e oito anos e meio, contribuindo para a Previdência Social e, hoje, tenho uma aposentadoria, congelada desde que me foi concedida, há uns cinco anos, que não me permite pagar o condomínio de meu apartamento e de meu escritório. Assim, se não continuo a trabalhar intensamente, não como, não posso me vestir senão com a roupa que já tenho e devo preferir não sair de casa, já que as despesas de transporte a cada dia aumentam mais. Enquanto me sacrifico, eis que, sem me dar exatamente conta, estou passando pela situação flagrada pelo DD. Prof. Miguel Reale Júnior , consistente no fenômeno do Poder me considerar apenas para '...satisfazer (suas) necessidades sensíveis...' Neste ponto, constato que deixei de ser um cidadão, porque sou apenas um vetor de produção de recursos para que o Poder possa distribuir benesses ministeriais e presidenciais, pelas quais despesas de supermercado, de transporte, de veículos com motoristas, de toda sorte de encargos privados sejam pagos pelos cidadãos do País, através dos tributos que ele Poder, com o apoio dos Partidos da base Ministerial, a cada dia mais quer arrecadar. Minha dignidade humana, também, está sendo ignorada. E tudo, ao arrepio do que se pode ler no art. 1º, da Constituição Federal. Preferi, então, voltar os olhos ao artigo do jornal La Vanguardia. E vejo, então, que a descrição que o Periodista faz dos recursos do Político coincide com aquela que qualquer jornalista faria da situação brasileira. Bom, é tudo igual em qualquer lugar, diria minha saudosa Bisavó! Mas, a seguir, me aterrorizei mais uma vez. É que li, textualmente, que um político, no caso Kennedy, '...se rodeó de intelectuales como Richard Goodwin o Ted Sorensen que escribían palabras bellas sabiendo que sin palabras y sin Fe en las palabras ni siquiera los políticos pueden sobrevivir!' E comecei a analisar o 'discurso' que foi posto no ar, sobre as ocorrências com os tais 'cartões de crédito corporativo' (embora governamentais!). A ex-ministra só assim pode ser chamada, porque foi usada como scapegoat (oh, desculpem-se, esqueci que não deveria usar vocábulo estrangeiro, portanto, vamos ao que disse o Sr. Dogival Vieira, do Movimento Brasil Afirmativo, conforme publicado n'O Estado de São Paulo: '...Ela foi usada como bode expiatório!...')! Em outro pronunciamento, o Professor e Administrador Hélio Santos, um dos mais respeitados líderes em causas afirmativas do País, afirmou sobre a ex-ministra que 'Lamento todo esse episódio. Não defendo irregularidades, não isento a ministra de responsabilidades, nem defendo que os negros utilizem mal o dinheiro público. Mas acho que houve um tratamento diferenciado no caso dela. Ora, só agora o governo está dizendo que vai regulamentar o uso dos cartões corporativos – o que significa que não existia a regulamentação e a ministra não deveria ter caído por causa disso...' Aí, não coube em mim a minha perplexidade e resolvi descrevê-la. E estou lhes pedindo ajuda. Não estou conseguindo perceber nada, entender nada, captar nada! Explico. Tem razão aquele Cidadão que foi flagrado em uma conversa com um Prefeito de um Município do Rio de Janeiro, que explicava ao Prefeito que dinheiro público não tem dono? Tem razão aquele Cidadão, ao explicar ao Prefeito que todos podiam se locupletar, mas desde que cada um se locupletasse apenas um pouquinho, porque senão não dava para todos? Ah, então lembrei-me da explicação daquele jornalista americano, retransmitida pelo jornalista espanhol e que li no La Vanguardia: '...se rodeó de intelectuales....que escribían palabras bellas sabiendo que sin palabras y sin Fe en las palabras ni siquiera los políticos puedem sobrevivir!' Comecei a entender. A ex-ministra, explicava o jornal O Estado de São Paulo, era assistente social e militante do PT, o que a alçou ao cargo de Ministra. Não sabia, pois, que o dinheiro público assim o era porque era considerado de Todos. Aliás, aí está um vocábulo que os Dicionários não ajudam muito a compreender. O Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, de De Plácido e Silva, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, 25ª Ed., sobre PÚBLICO explica que significa '...o que é comum..., pertence a todos, é do povo, pelo que, opondo-se a privado, se mostra que não pertence nem se refere ao indivíduo ou ao particular'. Notaram a contradição? Não? Meu Deus, que coisa! Reparem só. Algum de vocês, antes da criação dos tais 'cartões de crédito' para o Governo já tinha ouvido falar de 'cartões corporativos para funcionário público'? Não? Ah, como estávamos desatualizados! E a questão é esta. Se o 'cartão de crédito governamental é cartão de crédito corporativo', ninguém, ninguém mesmo, e muito menos as pessoas que não estavam acostumadas a lidar só com o próprio, podia imaginar que o dinheiro que pagava tudo não era dele próprio, porque era dinheiro público! E, como vimos, se o dinheiro era público, poderia pagar tudo, mas tudo, especialmente, se '...satisfizesse as necessidades sensíveis...', a que me referi acima, e que estava na lição do Prof. Miguel Reale Junior. (Devo confessar que tive que alterar a conjugação do verbo, para compor minha frase. O Prof., por óbvio, não utilizou a sua expressão no caso a que estou, agora, me referindo.) Sabem aquele artigo n°. 37, da Constituição Federal? Ele tem uma redação que parece confusa ao Poder. Afinal, por que introduzir na administração pública princípio da moralidade, quando este princípio pode restringir a eficiência, que é também um princípio constitucional? Por que introduzir o tal princípio da impessoalidade, quando se sabe que o público é o que '...pertence a todos, é do povo...'? Que confusão faz o legislador pátrio! Certamente ele não leu as recomendações do Conselho de Estado francês, no seu Relatório de 2006, quando afirma que '....les normes édictées doivent être claires et intelligibles, et ne pas être soumises, dans le temps, à des variations trop frequentes, ni sourtout imprévisibles'! Ora, se os tais cartões de crédito corporativos (que são afinal, governamentais!) já existem há tanto tempo, quando 'as vacas eram gordas', com o recolhimento da CPMF, por que só agora tentar regulamentar algo que já vem sendo praticado há mais de três anos? O que, 'diabos', todos querem? Querem 'descobrir' as despesas de todos desde que os tais ‘cartões de crédito corporativos' foram criados? Tudo bem, façam isso, mas nunca, jamais, com relação àqueles cuja divulgação não foi autorizada pela Presidência da República! Neste ponto, já que estou terminando estas divagações de um angustiado, gostaria de usar as mesmas expressões do Periodista Lluis Foix, no La Vanguardia: 'Cómo me gustaría que em esta campaña que nos afecta a todos em lãs tierras hispânicas, los artesanos de los discursos no presentaran el valor de la palabra y la fuerza del lenguaje. Aquí nos batimos com la improvisación y el puñetazo (vocês são maldosos, o significado é pancada com o punho!) al bajo vientre'."

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