Cartão Corporativo 15/2/2008 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "Em comentário anterior, já contei a história, de muitos anos atrás, com minha filha caçula (hoje ela está com 30 anos). À época, tinha ela uns 5 ou 6 e estávamos em um shopping, quando ela insistia em que eu comprasse algo que, no momento, por motivos que não mais me recordo, não me dispunha a comprar. Foi então que, para me livrar da insistência infantil, dei aquela surrada desculpa paterna: é que o papai está sem dinheiro, minha filha. Mas, esperta, minha filha tinha a solução. E sugeriu que eu utilizasse, para pagar o que desejava 'um daqueles cartõezinhos de plástico' que eu tinha na carteira, que ela já tinha visto eu pagar contas em outras lojas. Pacientemente, expliquei que de nada adiantava, pois que, ao final do mês teria de pagar a conta do cartão, de qualquer maneira. Notei, naquele momento, um certo ar de decepção em minha filha que, por certo, imaginava que seu pai, seu herói, era um daqueles privilegiados que tinham um 'daqueles cartões' que pagavam contas, e dos quais não se necessitava prestar contas, como convém a pessoas de classes superiores como, por certo, seu pai, cuja imagem, naquele momento, ruía inexoravelmente. Passados os anos, e nunca pude me esquecer daquela cena, tanto que aqui a retrato novamente, noto que tinha razão minha filha. Não sei se já naquela época, mas de maneira premonitória talvez, ela sabia que pessoas de classes superiores têm sim 'aqueles cartões' que pagam contas, desde tapiocas a petshops, passando por restaurantes, cosméticos e tudo o que se queira, sem limite ou preocupação, e sem ter que pagar no fim do mês, no fim do ano ou no fim dos dias, ou sequer no juízo final. E, a essa altura dos acontecimentos, mal durmo esperando o telefonema dela, agora adulta, para saber se, ao menos agora, eu já tenho um daqueles 'cartõezinhos' plásticos que pagam minhas contas, e fico imaginando desculpas para justificar minha insignificância e o porquê de, passados tantos anos, ainda estar trabalhando, e usando aqueles antigos cartões, cujas faturas são apresentadas ao final de cada mês. Coisa de gente sem importância. Na próxima encarnação (se é que isso existe) quero nascer de mãe careca e desdentada, não vou estudar nem nada. Mas quero um desses cartõezinhos. Ah! Isso eu quero." Envie sua Migalha