Privilégios

18/2/2008
Pedro Luís de Campos Vergueiro

"Por mais que se queira negar, o fato é que se trata de uma verdade mais que verdadeira: realmente, há neste país privilégios sem conta. De alguma forma eles são institucionalizados e o privilegiado goza do benefício. Vejamos. Têm os deputados direito ao recebimento de uma 'verba de gabinete', cujo valor mensal representa mais que o montante salarial anual de muitos e muitos concidadãos brasileiros. Essa verba nada tem a ver com o subsídio do deputado. Ambos valores têm em comum o fato de que deles, os deputados podem gastar como bem entendem e não precisam prestar contas de como gastaram a quem quer que seja. Porém, diversamente do que ocorre com o subsídio, a verba de gabinete não está sob incidência do imposto de renda; ou seja, essa verba não constitui renda para ensejar o pagamento desse imposto. E não constitui renda porque é considerada 'verba indenizatória'(!); porque o seu recebimento não constitui acréscimo patrimonial(!); porque seu pagamento é feito para 'custeio' do exercício da atividade parlamentar(!). Enfim, sobre a verba de gabinete paga aos deputados não incide o imposto de renda. Essa é a decisão consubstanciada no acórdão nº. 102-48798 referente ao Recurso nº. 151210, interposto no processo nº. 19515.000482/2002-04 em que foi recorrente Dimas Eduardo Ramalho, decisão da 3ª Turma/DRJ-São Paulo/SP II, Relatora Silvana Mancini Karam (DOU de 8/2/2008). A decisão acima referida assenta (ou está assentada em) jurisprudência administrativa da receita federal sobre a matéria. Assim, a verba de gabinete embora pareça renda, não é renda. Embora tenha todas as características do que soe ser considerado renda, especialmente o detalhe de que pode ser gasta integralmente em benefício estritamente pessoal daquele que a recebe (ou seja, fora da atividade parlamentar, como por exemplo, para cobrir o valor – ou parte dele – de um carro para o filho que acabou de fazer dezoito anos de idade), tal verba não tem essa natureza de renda, pois sua natureza é outra, é a indenizatória, conforme assentado na jurisprudência administrativa. E coisa tal, como muitas outras, somente são encontradiças no diário oficial e cujo conhecimento constitui saboroso material para o exercício da advocacia e para substanciosas tertúlias acadêmicas. Ora, o raciocínio e a conclusão constante da decisão em tela é uma afronta à dignidade do cidadão comum. Ela institui um privilégio a quem já muitos o tem. É uma vantagem que espolia o cofre público, o qual, pela força da avidez tributária, é recheado a custa do suor dos cidadãos que não desfrutam dessas regalias. Resta anotar que essa decisão administrativa em grau de recurso data de 2007 e refere-se à verba de representação recebida no ano-base de 1998, exercício de 1999. 

Processo nº. : 19515.000482/2002-04

 

Recurso nº. : 151210

 

Matéria : IRPF - Ex(s): 1999

 

Recorrente : DIMAS EDUARDO RAMALHO

 

Recorrida : 3ª TURMA/DRJ-SÃO PAULO/SP II

 

Sessão de : 7 de novembro de 2007

 

Acórdão nº. : 102-48798

 

Verba de gabinete paga aos deputados – não incidência do imposto de renda - A denominada verba de gabinete se constitui em meio necessário para que o parlamentar possa exercer seu mandado. A não exigência de prestação de contas das despesas correspondentes à referida verba é questão que diz respeito ao controle e a transparência da Administração. O fato de não haver prestação de contas, por si só, não transforma em renda aquilo que tem natureza indenizatória. As verbas de gabinete recebidas pelos Deputados e destinadas ao custeio do exercício das atividades parlamentares não se constituem em acréscimos patrimoniais, razão pela qual estão fora do conceito de renda, especificado no artigo 43 do CTN.  

 

Recurso provido. Por unanimidade de votos, DAR provimento ao recurso para cancelar a exigência do crédito tributário.

 

Moisés Giacomelli Nunes da Silva - Presidente em Exercício

 

Silvana Mancini Karam - Relatora

 

(Fonte: DOU 8/2/2008)"

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