Migalheiros

20/2/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Nem só de livros infantis o gênio de Monteiro Lobato enriqueceu nossa literatura. José Bento Monteiro Lobato, que nasceu a 18 de abril de 1882 – mas jurava ter nascido em 1884 – na cidade de Taubaté, nos deixou mais do que o Sítio do Pica-Pau Amarelo e seus conhecidos personagens. Episódio pouco conhecido é que viveu algum tempo nos Estados Unidos, onde escreveu – e não conseguiu editar – seu livro 'O Presidente Negro e o Choque de Raças', uma história que narra a vitória de um candidato negro à Presidência dos EUA, uma espécie de premonição do que hoje ocorre naquele país. O livro retrata a disputa entre o Partido Masculino e o Partido Feminino, em que o candidato negro também tinha uma mulher como adversária, exatamente como agora se defrontam Barack Obama e Hillary Clinton. À época, ninguém quis publicar o livro que, apesar de encomendado e pago, jamais chegou a ser editado. No livro, os brancos utilizavam, para se livrar do candidato negro – e dos negros em geral – um aparelho de 'raios ômega', com o objetivo de destruir suas possibilidades eleitorais e demográficas. Mas, apesar de tudo, o candidato negro, Jim Roy, servindo-se da cisão da sociedade branca em partido masculino e feminino, de um lado defendendo a reeleição do presidente Kerlog e, de outro pretendendo eleger a feminista Evelyn Astor, acaba vencendo como o 88º presidente norte-americano. O Presidente Negro só foi publicado em 1926, em folhetins do jornal carioca A Manhã. Monteiro Lobato, conhecido cético, que tinha como um de seus ditos preferidos 'não acreditar em nada por achar tudo muito duvidoso', no final das contas acreditou em muitas coisas, como no petróleo brasileiro – chegou até a criar uma empresa de exploração petrolífera –, no imposto único sobre o valor da terra, que acreditava ser uma 'maravilhosa solução' proposta pelo teórico Henry George, em seu livro 'Progress and Poverty', e na igualdade racial e nos direitos das mulheres, como expôs em seu livro que jamais foi publicado, mas que hoje é uma realidade no cenário político norte-americano. Como se vê, Monteiro Lobato, o mark twain paulista, que em carta a Érico Veríssimo, comentando um novo livro do escritor dizia da facilidade de escrever – 'Escrever bem é mijar. É deixar que o pensamento flua com o à vontade da mijada feliz' – escrevia, com a mesma facilidade, sobre sua época, e sobre o futuro distante, quase um século depois."

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