Indenizações 28/2/2008 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "Ainda outro dia a televisão mostrou Ivete Sangalo descendo de um Airbus A320 da Tam, no aeroporto de Congonhas, microfone na mão cantando, ainda nas escadas, para participar da festa promovida pela empresa. A aeronave, inteiramente autografada – pensei – tratava-se de um efeito especial, já que a ninguém ocorreria autografar um avião daquele tamanho. E, imaginei, seria impensável uma festa particular – privê, como se diz – em pleno aeroporto de Congonhas, recente palco de enorme desgraça e constante cena do caos aéreo que se desenrola no país. Mas, ledo engano, era sim uma festa da Tam, a empresa que perdera o avião exatamente no aeroporto de Congonhas e, mais ainda, quase 200 passageiros e tripulantes que, agora, promovia uma enorme festa, certamente autorizada pela Infraero – já que é a Infraero que controla aquele aeroporto e, inclusive, investiga o acidente – fechada para personalidades e colunáveis, que lá compareceram para o lançamento da nova campanha publicitária da Tam, para conhecer, como informou a empresa de publicidade responsável pelo evento, as novidades para 2008. Ivete Sangalo, como se sabe, tem um dos passes mais valorizados do mercado, com os shows mais caros do país. Seu cachê é de, nada menos, R$ 400 mil por hora de apresentação. Além disso, não deve ter custado barato uma festa que, segundo os convidados, e a própria agência, foi incrível, emocionante! Lá estavam celebridades de 'A' a 'Z', segundo as colunas sociais, todas chamadas ao palco, uma a uma, para requebrar com a baiana. Em tempo, Ivete desceu do Airbus autografado ao som de 'Abalou', seu 'hit' que, quase abalou as estruturas do vetusto aeroporto. Quanto à aeronave autografada, era sim de verdade – e não um efeito especial – pois lá estava, no dia seguinte, em página dupla, nos jornais de maior circulação no país, como símbolo da confiança dos funcionários, confiança que deveria se estender ao público em geral. Toda a festança, como se disse, para anunciar, alto e bom som, as novidades para 2008. Fiquei feliz pelos passageiros acidentados em vôos da Tam, que há muito esperam suas indenizações. Há muito, muito mesmo, desde 1996, por exemplo, quando caiu aquele fokker no bairro do Jabaquara, e a empresa ainda discute, valentemente, na justiça, servindo-se de todos os recursos cabíveis em lei, isso ainda no tempo do Comandante Rolim, também vitimado em um acidente aéreo, em um helicóptero da empresa. Do último acidente, aquele que aconteceu exatamente no aeroporto de Congonhas, e que abalou o país – não com o 'hit' de Ivete Sangalo – ainda 80% das famílias esperam por suas indenizações, em discussões que se eternizam com a intermediação da Defensoria Pública, do Ministério Público, do Procon e da Secretaria de Direito Econômico, que discutem a criação de uma Câmara de Conciliação para 'agilizar' as indenizações e dar amparo às famílias na negociação. Por outro lado, algumas famílias, desesperadas, procuram a satisfação de seus direitos onde podem, inclusive na justiça norte-americana, onde acionam a Tam, a Airbus, as fabricantes do reverso e do freio, além da empresa que faz a manutenção das aeronaves da empresa aérea. Então, a festa, a 'big' festa, com as novidades para 2008. Uma boa novidade seria o pagamento das indenizações, já que, ao que parece, dinheiro não falta. Se não falta para festas, não deve faltar para as indenizações, poderíamos pensar, nós os mais ingênuos, que não atinamos com o que dá ou não retorno para uma empresa. Mas a empresa, de sua parte, não pode faltar ao 'seu código de ética', insculpido em seu site e em seus estatutos, que em seu art. 2º, dispõe, expressamente, que: 'a Tam observa modernas práticas de governança corporativa, buscando princípios que privilegiem a transparência e o respeito a todos os seus acionistas, criando condições para o desenvolvimento e manutenção de um relacionamento de longo prazo junto a seus investidores'. Daí as festas e, daí, conseqüentemente, o não pagamento das indenizações: é que isso pode abalar o relacionamento com os acionistas e investidores que, é claro, estão interessados no lucro do negócio, e não na 'filosofia' da empresa, também constante do site, cuja primeira regra é: ‘o cliente sempre tem razão’ e a segunda, divertida, é 'se o cliente, alguma vez estiver errado, releia a primeira regra'. Mas, quando o cliente, mesmo certo, ou a família do cliente, necessitou do apoio do pessoal da Tam, nos arrastados processos de indenização, para identificar as causas do acidente, deparou-se, não com a primeira regra da ‘filosofia’, mas com o 8º artigo do ‘Código de Ética’, que obriga todos os colaboradores da empresa a manterem ‘sigilo absoluto sobre todas as informações relativas à empresa’, o que dificulta sobremaneira a apuração dos fatos e o deslinde dos casos. Uma outra festa ocorreu, também promovida pela Tam, logo após aquele acidente, que aconteceu em 17 de julho de 2007. Em 4 de agosto do mesmo ano, enquanto negociava os valores das indenizações com os parentes das vítimas, em São Carlos ocorreu o Fly Drive Experience regado a vinhos e champanhes importados, que reuniu, no Centro Tecnológico de Manutenção Preventiva da empresa – logo lá! – donos de carros de luxo para uma alegre recepção a Porches, BMWs e Ferraris e seus alegres proprietários. Pode ser que muita gente não saiba, mas em 1997, o Comandante Rolim, criador da Tam, criou também os 'Sete Mandamentos da Tam', as normas de conduta que considerava primordiais tanto para ele quanto para todos os seus colaboradores e que foram sempre – e são até hoje – lembrados e estimulados – no dia-a-dia da empresa. São eles: Nada substitui o lucro. Em busca do ótimo não se faz o bom. mais importante que o cliente é a segurança. A maneira mais fácil de ganhar dinheiro é parar de perder. Pense muito antes de agir. A humildade é fundamental. Quem não tem inteligência para criar tem que ter coragem para copiar. Esse último parágrafo inteiro também está lá, no site da empresa, ao lado da foto de seu criador, e os 'Sete Mandamentos' são os fundamentos e o constante planejamento estratégico da empresa. É, também, a explicação das atitudes e do modo de agir da mesma, para a qual nada substitui o lucro, e que tudo há de ser feito para parar de perder dinheiro. Então, entre as 'novidades para 2008', parentes das vítimas da Tam, não está, certamente, o pagamento de indenizações, pois os sagrados mandamentos da Tam não permitem a ofensa ao primeiro e básico mandamento. Amém." Envie sua Migalha