Reserva de mercado

3/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Antigamente, o farmacêutico era quase um médico. Atendia consultas, conhecia seus pacientes e preparava remédios. E, melhor ainda, conhecia a fundo os produtos químico-farmacêuticos, manipulava-os nas dosagens certas e atendia, com muito carinho, quem o procurasse. Hoje, depois do médico-da-família, e do aparecimento dos convênios, vieram os médicos que não conhecemos, e que não nos conhecem, ou melhor, que escolhemos nos catálogos dos convênios aos quais nos associamos e que se socorrem sempre dos exames laboratoriais para identificar o que temos para, afinal, receitar o que devemos comprar nas farmácias e drogarias, nas quais os farmacêuticos passaram a ser meras figuras decorativas, necessárias por força de lei. Mas, você não pode se dirigir diretamente a uma farmácia, como antigamente, e dizer o que sente, e pedir por um remédio. Aliás, até pode, mas é errado, e não deve, e as farmácias são punidas se atendê-lo e se venderem o medicamento sem receita devidamente prescrita por um médico, após uma consulta também devidamente paga. O mesmo com os óculos. Em muitos países, quem quer um óculos, vai a uma ótica, uma loja, lá encontra um optometrista que, utilizando as máquinas próprias de medição (exames de refração e testes de visão), verifica sua necessidade e, após a escolha, produz os óculos que você precisa. Aqui, no Brasil, não é assim, pois tais equipamentos médicos são considerados de uso privativo de oftalmologistas (médicos) que, em seus consultórios, se servem de... optometristas para operá-los, com a diferença que lá – em seus consultórios – o interessado, ou paciente, se vê obrigado ao pagamento de uma consulta para obter a necessária 'prescrição' para, só então, ir à ótica para encomendar os óculos. Esse 'pedágio', essa reserva de mercado, essa obrigação de comparecer a um consultório de um médico oftalmologista quando se quer tão somente substituir um par de óculos e saber qual o grau necessário, parece ser completamente absurda e retrógrada, além de absolutamente desnecessária, já que o que mede e faz os testes para tanto é uma máquina, que é operada tanto por um optometrista, quanto por um oftalmologista. Para impedir um optometrista de adaptar lentes de contato e realizar exames de refração ou testes de visão, bem como para que não voltasse a utilizar equipamentos médicos de uso  considerado exclusivo de oftalmologistas, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a Sociedade Catarinense de Oftalmologia (SCO) ajuizaram ação cominatória contra Marcelo Gonzaga Manieri, que a contestou, alegando estar perfeitamente habilitado para exercer sua atividade profissional de optometrista, utilizando equipamentos compatíveis com sua profissão, não exclusivos da oftalmologia. A decisão de primeiro grau baseava-se na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações que indica como atividades do optometrista, dentre outras, realizar exames optométricos, adaptar lentes de contato, confeccionar lentes, montar óculos e auxílios óticos, aplicar próteses oculares, promover educação em saúde visual etc., dando ganho de causa ao optometrista. No entanto, o TJ de Santa Catarina reverteu a decisão, reformando-a, manifestando-se a relatora, no que foi acompanhada pela maioria no sentido de que 'aos optometristas é reservada a missão de, com a prescrição médica, confeccionar e vender lentes receitadas, portanto não podendo atuar em funções, hoje, privativas da medicina oftalmológica'. Então, diferentemente de grande parte do mundo, para ter um óculos, ou para trocar os seus óculos, o interessado ainda vai ter que marcar uma consulta, pagar por ela, submeter-se à mesma máquina que existe em qualquer ótica, e que dá o mesmo resultado, para obter a 'prescrição' para, então, encomendar seu par de óculos, cujo valor virá acrescido desse custo, desnecessariamente."

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