Células-tronco 10/3/2008 Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668 "Em continuação ao debate acerca das células tronco-embrionárias, digo o seguinte: Migalheiro Dávio (Migalhas dos leitores - "Células-tronco" - clique aqui) , não desafie a inteligência com hiper-dramatizações... É absurda sua colocação de que laico seria quem tem preconceito contra religião... (ou, nas suas palavras, 'leia-se laico como 'preconceito contra religião, aversão criminosa à qualquer possibilidade de fé em Deus' – ressalto que o drama criticado se resume a esta frase). Laico é aquele que não admite que fundamentações religiosas pautem decisões políticas ou jurídicas, porque isso implica em aliança e, conforme as circunstâncias, mesmo dependência com a religião em questão, o que é textualmente vedado por nossa Constituição (art. 19, inc. I da CF/88). Quem demonstra preconceito é você, pois sua posição desmerece todo aquele que defende somente a utilização de argumentos científicos, lógico-racionais em detrimento de subjetivismos religiosos... Como você certamente sabe, as religiões são pautadas pela fé, que não supõe comprovação – ou seja, são pautadas em crenças arbitrárias (termo usado sem tom pejorativo, significando 'sem-comprovação'), em subjetivismos que, por isso, não podem ser usados na argumentação em um sistema jurídico, pautado que é (ou deve ser) pela lógica e pela racionalidade. Defender a laicidade, portanto, é defender o uso da lógica e da racionalidade humanistas, passíveis de comprovação, ao invés de subjetivismos religiosos que não podem nem fazem questão de ser comprovados pelo conhecimento humano. Portanto, quem demonstra preconceito aqui é você ao chamar de intolerantes quem pleiteia apenas por lógica e racionalidade nos debates... (e não se está aqui discutindo crenças teístas – a meu ver Deus existe, embora não seja Ele o déspota tirânico que muitas instituições religiosas pregam... A questão é o combate ao subjetivismo, nada mais) No mais, se a Igreja já ganhou prêmios científicos, isso certamente terá ocorrido porque estes temas coincidiram, por acaso, com seus dogmas de fé. Assim fica muito fácil. Agora, quando não coincidem, ela não quer nem saber... Por exemplo, a Igreja prefere ignorar a realidade empírica e antropológica de que a indissolubilidade do casamento só vem a trazer infelicidade ao casal que não mais quer manter uma comunhão plena de vida, criando um ambiente doméstico extremamente desagradável e hipócrita, na medida em que ambos normalmente passam a manter outras relações (quando da indissolubilidade, era apenas o homem que o fazia, ante o verdadeiro aprisionamento que a sociedade impunha à mulher, que de prisioneira dos desígnios do pai passava a prisioneira dos desígnios do marido quando casada) – essa posição arcaica está em consonância com seus dogmas, ok, mas não com a ciência empírica, antropológica, enfim, humanista. Ou seja, a Igreja não está nem aí para a ciência – apenas a defende quando ela, ciência, coincide com seus dogmas de fé. Isso, por si, já tira qualquer credibilidade da mesma (Igreja). Logo, quem envergonha a nação não é quem defende a laicidade, mas quem prefere defender subjetivismos oriundos de dogmas de fé como se verdades absolutas fossem. De uma vez por todas: o embrião é uma potencialidade de vida, mas ainda não é vida. Aproveito para rebater um argumento de uma jurista de peso: a grande Maria Garcia, em entrevista ao Estado de São Paulo de domingo (9.3.08), não agiu com o costumeiro acerto ao justificar sua posição contrária à utilização das células tronco-embrionárias pelo fato de que no embrião se encontrariam cérebro, coração, estrutura óssea e tudo o mais – contudo, a douta jurista equivoca-se na medida em que, repita-se, no embrião consta a potencialidade de surgimento desses órgãos e, portanto, do início da vida, mas não a vida em si. Esta só existe a partir do início do desenvolvimento cerebral – ou seja, da existência do cérebro. Os magníficos votos do Ministro Ayres Britto e da Ministra Ellen Gracie encontram-se, portanto, absolutamente corretos. A douta jurista invocou ainda manifestação de juíza do Tribunal Constitucional Alemão quando disse que a ciência do Direito não teria competência para definir o início da vida e as ciências naturais ainda não estariam em condições de fazê-lo, para concluir que caberia, apenas, fazer cumprir o direito à vida e, portanto, proteger o embrião. Mas ora, é ao entendimento das chamadas ciências naturais que cabe dizer o início da vida – se a posterior evolução destas ciências provar que estavam erradas, então mudar-se-á o conceito, mas uma sociedade verdadeiramente laica deve se pautar pelo que as ciências naturais digam, sob pena de voltarmos ao obscurantismo da Idade Média nos quais subjetivismos oriundos de dogmas de fé eram impostos a todos coercitivamente, sob pena de fogueira inclusive... Da aceitação de argumentos religiosos no julgamento do tema das células tronco-embrionárias para isso é um pulo não tão grande assim..." Envie sua Migalha