Novos pecados

13/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Os novos pecados, anunciados agora pelo Papa, na verdade são meio velhos. Em setembro de 2003, a Igreja Portuguesa, através de seus bispos, já havia identificado o que chamou de 'pecados sociais', que também eram sete:

1) os egoísmos individualistas, pessoais e grupais, sem perspectiva do bem comum mais global;

2) o consumismo, fruto de um modelo de desenvolvimento, fomentado pelos próprios mecanismos da economia, que gera clivagens entre ricos e pobres e gera insensibilidade a valores espirituais; 

3) a corrupção, verdadeira estrutura de pecado social, que se exprime em formas perversas, violadoras da dignidade humana e da consciência moral pelo bem comum; 

4) a desarmonia do sistema fiscal, que sobrecarrega um grupo, e pode facilitar a irresponsabilidade no cumprimento das justas obrigações; 

5) a irresponsabilidade na estrada, com as conseqüências dramáticas de mortes e feridos, que são atentados ao direito à vida, à integridade física e psicológica, ao bem-estar dos cidadãos e à solidariedade; 

6) a exagerada comercialização do fenômeno desportivo, que tem conduzido à perda progressiva do sentido do ‘jogo’ como autêntica atividade lúdica, e a falta de transparência nos negócios que envolvem muitos setores e profissionais algumas áreas do desporto; 

7) a exclusão social, gerada pela pobreza, pelo desemprego, pela falta de habitação, pela desigualdade no acesso à saúde e à educação, pelas doenças crônicas, e que atinge particularmente as famílias mais carenciadas, as crianças e as pessoas idosas, e determinados grupos sociais.

É interessante notar que dentre eles já estava a 'corrupção', não contemplada, agora, entre os anunciados pela autoridade papal. E não só em Portugal a 'corrupção' foi considerada um pecado. Também na Malásia, pela primeira vez em 2005, cristãos, muçulmanos, hinduístas, budistas e Sikhs, ou seja, representantes de todas as religiões locais divulgaram um comunicado conjunto no qual condenaram a corrupção, definindo-a como 'pecado mortal'. O comunicado esclarece, inclusive, que oferecer e aceitar propina é 'pecado mortal' em todas aquelas religiões, pelo que não se compreende a exclusão feita pelo Papa em seu pronunciamento, até porque a corrupção, segundo a Bíblia, é a conseqüência do pecado (Hb.4.15), fato que não poderia ter sido desprezado. Justificável, talvez, a posição de outro líder religioso, o Bispo Edir Macedo, para quem corrupção é perdoável com arrependimento, já que, em entrevista ao colunista Daniel Castro, da Folha de S. Paulo, dois dias antes do lançamento de sua biografia, afirmou que o único pecado imperdoável é a blasfêmia contra o Espírito Santo: 'Para os demais, há perdão, se houver arrependimento'. Mas, se formos confiar nas letras de Chico Buarque, nem arrependimento é necessário, pois não existe pecado ao sul do Equador, pelo que, ainda musicalmente falando, poderemos escolher uma parceira e cantar a música de Mariano Moraes, com a letra de Martinez: 'Yo tengo um pecado nuevo que quiero estrenar contigo...'. Que, certamente, não será nenhum dos novos anunciados pelo Vaticano, que não tem graça nenhuma."

Envie sua Migalha