Circus

17/3/2008
Cleanto Farina Weidlich - Carazinho / RS

"Um teste de coragem? Desde que li o seu 'Oitavo Conto', não consegui me concentrar em mais nada, a não ser nas elocubrações vertidas e na opinião solicitada. Sobre o tema Einstein, teria afirmado: ... negar a existência de Deus é tarefa para o homem mais corajoso da Terra. Só eu posso, mas não posso sozinho. Entre escólios bibliográficos, assim ao acaso encontrei: ... (seguindo a mesma estratégia que você utilizou com seu neto) ... Em Luiz Carlos Lisboa, quando discorre sobre A língua dos pássaros, ... A 'língua dos pássaros' era conhecida também como cabala hermética ou gaia ciência (gay sçavoir) e sua finalidade principal era ocultar do leigo, moral e espiritualmente despreparado para a iniciação, os princípios de uma sabedoria referida no pensamento esotérico, gnóstico, hermético. Os livros sagrados em geral, segundo Dartois e Radel, não são jamais diretos, nem usam conceitos literais, precisando de interpretação através de um certo espírito. Isso tem por fim colocar fora do alcance do leigo conhecimentos que seriam mal usados, ou vulgarizados com o tempo, destituídos de sua significação real. Na obra medieval de autor desconhecido 'A Transmissão da Lâmpada', há uma frase final muito eloqüente a respeito da 'língua dos pássaros'. 'Tudo isso dever ser dito da maneira própria, mas pela maneira própria não entendemos determinadas palavras. Há uma forma de amor, de sinceridade absoluta, que equivale a uma língua especial. Os vocábulos são os de sempre, mas há alguma coisa em quem fala que faz do que diz uma espécie de música, suave e intensa, assim como o canto dos pássaros.' Em outro escólio, encontro as ideologias de Louis Pauwels em Crenças e Dúvidas (Editora Civilização Brasileira), quando discorre sobre o que denominou de 'O Pensamento Calculante'. Pauwels chama 'pensamento calculante' à mente pragmática, exclusivamente tecnológica, preocupada apenas com os resultados. Diz ele: 'O pensamento calculante invadiu o Ocidente. Trata-se de um pensamento útil. Mas é próprio do pensamento calculante não poder deter-se, voltar-se sobre si mesmo, pôr-se em questão. É por isso que ele se afirma e se deseja como pensamento único. Ele tem em vista um mundo técnico e planificado em que só ele seria admitido'. A essência do homem, conclui Pauwels, está porém no 'pensamento mediante'. Nossa mais profunda alegria de viver, afirma, está na serenidade da alma e no espírito aberto ao secreto. Aqui está um velho arquétipo, uma antiga verdade humana. 'O espírito aberto ao secreto' não é a esperança de crer, o medo do nada, a necessidade de apoio ou a procura de uma chave geral para as dúvidas do homem. Essa abertura é uma peculiaridade da mente que se volta para si mesma e para o mundo, vazia de conceitos e fórmulas prévias, sem fome de mistérios mas também sem medo deles. A outra, abrindo um pequeno parênteses, vale registrar a esse respeito as últimas palavras de Suzuki, que foi um grande Mestre Zen. Quando estava em seu leito de morte, levantou-se de repente olhando fixamente alguma coisa à sua frente. Disse então: 'Ah! Vejo qual a diferença entre aqui e o além! Depois, fechou os olhos, deitou e acrescentou: '... e não há diferença!' Porém como observou Bernard d’Espagnat:   

'Para construir uma noção, qualquer que ela seja, é preciso, em primeiro lugar – e no mínimo! Existir. Nenhuma sutileza semântica sobre a palavra 'existir' pode refutar essa observação elementar que também se exprime ao dizer que a noção de existência (ou de ser) é logicamente anterior à de conhecimento, uma vez que é preciso ser para conhecer.'

 

No entanto, o que precede o próprio Real? Que Ser preexistente ao conhecimento senão o Grande Ordenador divino a quem podemos atribuir todos os nomes, já que essa Inteligência absoluta é concebida ao mesmo tempo como Ser e Não-Ser? Em última análise, como disse o grande astrofísico Nicola Dallaporta: 'Somos realmente obrigados a chegar à metafísica, à metafísica das próprias tradições, que pelo menos tem a vantagem de ser infinitamente mais simples.' A física quântica é levada a constatar a ordem imanente e transcendente do Real tal qual a podemos observar em sua perfeição absoluta, cuja conseqüência é o fato de que a vida existe. A ordem cósmica não é uma causalidade originada de um acaso eventual, ela exprime uma Inteligência incrivelmente precisa cuja finalidade é a manifestação consciente da própria vida. É o que ressalta Nicola Dallaporta:  

'Se aumentássemos minimamente a intensidade das forças nucleares em relação às forças eletromagnéticas, todo hidrogênio do cosmo seria transformado em núcleos mais pesados: e vice versa, se a diminuíssemos na mesma proporção, o universo conteria apenas hidrogênio. Tanto num como noutro caso, não haveria nenhum composto orgânico e portanto nenhuma vida.'

 

A ciência e o conhecimento descobrem, portanto, uma 'zona de resistência absoluta' que 'resiste a qualquer compreensão, não importa de que nível' escreve Basarab Nicolescu. Assim: ‘O sagrado adquire um status de Realidade, do mesmo modo que os níveis de Realidade, sem constituir no entanto um novo nível de Realidade, pois ele escapa a todo saber. Entre o saber e a compreensão há o ser'.  Igualzinho, eu e você, querido amigo e Mestre Adauto.  Um grande beijo no teu coração,"

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