Cartões corporativos

26/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Li, nos feriados, e recomendo, D. Pedro II, de José Murilo de Carvalho, principalmente no capítulo que trata do 'Bolsinho Imperial', ou seja, da modesta dotação da família imperial, à época de oitocentos contos por ano, não sei bem quanto significaria atualmente. Mas, a verdade é que no início do reinado, em 1840, a dotação imperial representava 3% da despesa do governo central e 49 anos depois, em 1889, a tal dotação não representava mais do que 0,5%. Isso porque – é difícil de acreditar, eu sei – o imperador jamais aceitou o aumento de sua dotação, apesar das várias propostas nesse sentido feitas pelo parlamento, em 49 anos. E, por falar em cartões corporativos, o Imperador – que se orgulhava de nada dever: 'Quando contraio uma dívida, cuido logo de pagá-la' – financiava todos os seus gastos, inclusive os de suas viagens dentro do país. Quanto às viagens ao exterior, D. Pedro as custeava com empréstimos particulares, porque se recusava a usar dinheiro público. Além disso, às vezes doava parte de sua dotação ao tesouro, como por ocasião da guerra contra o Paraguai, quando mandou descontar 25% de seus ganhos particulares. O Imperador, em vez de receber pensões e aposentadorias, pagava doações a entidades beneficentes e científicas, pensões a estudantes no país e no exterior e sustentava muitos pobres, uma espécie de bolsa-família, mas que saía de seu próprio bolso, assim como aposentadorias que concedia em detrimento de seus próprios vencimentos. Muitos brasileiros ilustres estudaram graças às bolsas de estudos, no Brasil e no exterior à custa do bolso imperial, o mesmo que fazem hoje órgãos do governo, e tinham que prestar contas trimestrais de seu aproveitamento. D. Pedro II, pessoalmente, tomava empréstimos junto a banqueiros brasileiros a juros de mercado, sem privilégios, a 6%. Todos os lucros da Fazenda Santa Cruz, de propriedade da Coroa, eram distribuídos aos pobres. Ao ser exilado, para viver teve que continuar pedindo empréstimos, alguns dos quais ainda não pagos por ocasião de sua morte. Durante seu reinado, orgulhava-se em poder dizer que 'a escrituração de todas as despesas de minha casa pode ser examinada a qualquer hora. Não ajunto dinheiro'. Em outras palavras, não seria necessária qualquer CPI para investigar seus gastos ou de sua família, e nem o Imperador, que detinha o poder absoluto, aliás, impediria o exame de suas contas, sempre abertas a qualquer exame, sempre as mesmas, em quase 50 anos de, repita-se, poder absoluto. Talvez isso se deva à formação do homem, do cidadão Pedro D'Alcântara, e do preparo que recebeu para governar o Brasil, cuja educação foi entregue a Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, futuro Marquês de Itanhaém, sob a supervisão do Parlamento, cujos deputados acompanhavam, de perto, a formação do príncipe, examinando os relatórios do Tutor e fazendo visitas de inspeção, todos interessados, não em seus problemas e interesses pessoais, mas em que o país tivesse o melhor governante possível. Foi resgatado, e conta do livro de José Murilo de Carvalho, uma pequena parte das instruções do Marquês de Itanhaém acerca da educação do jovem imperador, que deveria ser ensinado a discernir 'sempre o falso do verdadeiro' ... 'venha a sentir, sem o querer, aquela necessidade absoluta de ser um monarca bom, sábio e justo' ... 'Em seguimento, ensinarão os Mestres ao imperador que todos os deveres do Monarca se reduzem a sempre animar a Indústria, a Agricultura, o Comércio e as Artes; e que tudo isso só se pode conseguir estudando o mesmo imperador, de dia e de noite, as ciências todas, das quais o primeiro e principal objeto é sempre o corpo e a alma do homem' ... 'Eu quero que o meu Augusto Pupilo seja um sábio consumado e profundamente versado em todas as ciências e artes e até mesmo nos ofícios mecânicos, para que ele saiba amar o trabalho como o princípio de todas as virtudes, e saiba igualmente honrar os homens laboriosos e úteis ao Estado' ... 'Finalmente, não deixarão os mestres do imperador de lhe repetir todos os dias que um monarca, toda vez que não cuida seriamente dos deveres do trono, vem sempre a ser vítima dos erros, caprichos e iniqüidades dos seus ministros, cujos erros, caprichos e iniqüidades são sempre a origem das revoluções e guerras civis; e então paga o justo pelos pecadores, e o monarca é que padece, enquanto os seus ministros sempre ficam rindo-se de cheios de dinheiro e de toda a sorte de comodidades'. Tempos diferentes aqueles, em que o tutor do jovem imperador preparava-o para governar com poder absoluto e, em vez de se aproveitar de seu poder e de sua proximidade com o poder, ensinava-o a bem governar, sob a fiscalização dos deputados que, ao contrário dos que hoje conhecemos, exerciam de fato suas funções e zelavam para que o futuro monarca recebesse a melhor formação possível, digna de um dirigente do país, que iria, afinal, governar a todos, inclusive o próprio tutor e os deputados que o preparavam."

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