Anencefalia diante dos tribunais

22/7/2004
José Guilherme

"Ao ler o artigo do professor Ives Gandra Martins, defendendo o direito à vida dos nascituros portadores de anencefalia, não pude deixar de discordar do eminente jurista, especificamente na parte em que compara a situação ao caso Dred Scott, que legítima a escravidão nos EUA, prevendo, inclusive, que o dono dos escravos pudesse matá-los. Como destacado no próprio artigo do ilustre causídico, esta decisão foi tomada sob o argumento de que os negros não eram pessoas humanas. Esta concepção, felizmente, foi modificada com o passar do tempo e hoje se reconhece amplamente a igual dignidade a todos os seres humanos. Da mesma forma que as mudanças éticas influenciaram essa mudança de perspectiva pela Suprema Corte estadunidense, deve ser ressaltado que, quando nosso Código Penal foi editado, não existiam meios para que se pudesse diagnosticar a anencefalia fetal. Esta anomalia significa que o feto não possui cérebro e, conseqüentemente, não irá sobreviver por mais do que algumas horas. O artigo em tela olvidou-se de abordar ainda a relevante questão que se coloca, que é a indagação sobre a possibilidade de vida humana sem cérebro. Se a resposta para esta indagação for positiva, todo o sistema de doação de órgãos que se busca ampliar no Brasil estará fadado ao insucesso, pois o procedimento de retirada dos mesmos do corpo do doador é autorizado justamente após ser diagnosticada a morte cerebral, ou seja, em um momento em que os órgãos vitais ainda estão ativos, muito embora seja uma questão de tempo até que parem de funcionar. Não se pode comparar casos de anencefalia a deficiências físicas ou a casos de eugenia, como pretende o ilustre causídico. São situações distintas que não merecem o mesmo tratamento. A manutenção de uma gravidez em que o feto é anencéfalo só irá trazer danos psicológicos à gestante, que, durante nove longos meses, terá de carregar um filho que de antemão se sabe que não sobreviverá."

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