Células-tronco 27/3/2008 Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668 "Migalheiro Dávio, ao contrário de muitos, não tenho problema nenhum em enfrentar os argumentos que me são afrontados – aliás, normalmente sou eu quem exige esse enfrentamento e sou ignorado ou menosprezado por isso, como você certamente se lembra de outro debate do qual participamos meses atrás. Realmente não conheço o trabalho de Jerome Lejeune e isso nunca foi relevante a minhas argumentações, pois não debati cientificamente aonde começa a vida (dei minha mera opinião, concordante com a do Ministro Ayres Britto e da Ministra Ellen Gracie). Mas, caso não tenha percebido, todas as minhas manifestações neste debate, desde o início, seguiram um norte: o de que fundamentações religiosas não podem ser usadas para embasar posições jurídicas. E o fiz com base em disposições constitucionais expressas e na interpretação que o STF dá ao preâmbulo constitucional (ADIN 2076). Isso significa o seguinte migalheiro: se a ciência vier a se posicionar (com o perdão da redundância) cientificamente, com base na razão e não na pura fé, que a vida começaria na fecundação, então não terei a me opor a este posicionamento. Se a ciência tivesse se posicionado realmente na linha que você defende, não existiriam tantos cientistas discordando de sua posição... O que tenho dito e repetido é que o subjetivismo religioso não pode entrar nessa discussão. Sua insistência na suposta ausência de legitimidade das disposições constitucionais afronta apenas todo e qualquer conhecimento acerca do Direito Constitucional – você rasga toda e qualquer doutrina constitucionalista ao defender o que defende... Se a Assembléia Constituinte aprovou o texto em questão, ele tem plena legitimidade, já que dita Assembléia representa o povo, povo este que não condicionou a legitimidade do texto constitucional a um referendo, como você tanto deseja... Entendimento em sentido contrário afronta qualquer entendimento acerca de Direito Constitucional pois, por mais que o Estado exista em prol do povo, o Estado representa o povo, que elege seus representantes. Não vivemos numa democracia direta – se o povo assim o quisesse, faria uma revolução isso exigindo. Até lá, conforme-se com a democracia representativa na qual vive e sempre viveu, na qual o povo elege os representantes e estes detêm, por isso, plena legitimidade para aprovar legislações. Se o povo não aprovar ditas legislações, que eleja novos representantes para alterar a legislação guerreada – se a questão for cláusula pétrea, que realize uma nova Constituinte. Esse é o jogo democrático-constitucional – e vivemos em uma democracia constitucional, não numa democracia de Supremacia Absoluta do legislador democrático do século XIX que dava poderes absolutos ao legislador, com todos os abusos que isso historicamente provocou (nazismo, fascismo etc). Se descobertos os artigos inseridos à sorrelfa por Nelson Jobim, estes sim poderão ser tidos por ilegítimos e nulos, mas nenhum outro. Na dúvida, prevalecem todos. O fato do 'não matar' e o 'honrar pai e mãe' coincidirem com dogmas religiosos e terem sido inspirados nestes não muda o fato de que subjetivismos religiosos devem ser afastados. Estes por você citados são pautados pela racionalidade – ao contrário de outros, como os que defendem uma indissolubilidade de matrimônios mesmo à custa da felicidade e mesmo saúde mental de cônjuges que não se suportam reciprocamente. Fora outros do passado, que pregavam ser a Terra quadrada – pobre Galileu... Pobres não-católicos, tão perseguidos no passado... Agora, migalheiro Dávio, chega a ser lamentável sua agressividade contra a laicidade, além de incoerente: se você se pautar apenas por argumentos científicos deste ou de outro geneticista, você estará sendo laico, donde se percebe que a laicidade não tem nada de má, já que pautada exclusivamente pela racionalidade. Felizmente para você esta tese laica coincide com os dogmas de sua religião. Gostaria de ver se Jerome Lejeune tivesse conclusão diversa se você o vangloriaria tanto... Ficaremos sem saber, aparentemente... No mais, justamente por não poder ser imposta, mas requerer adesão espontânea, é que a fé não pode ser usada para pautar fundamentações jurídico-políticas – que é o que ocorrerá (sua imposição) se permitir-se isso que tanto combato. Um pouco de bom senso demonstra isso. Não fique surpreso com minha crença teísta Dávio e não há nada de contraditório nisso: contudo, as diversas barbaridades cometidas por instituições religiosas (não só a Igreja Católica, mas inúmeras outras) em nome da fé, com perseguições, guerras, ofensas etc provam que não é a palavra do verdadeiro Deus, o 'Deus é amor', que eles(as) representam ou representaram. Os subjetivismos despóticos dos pseudo-portadores da palavra de Deus demonstraram à saciedade, na história, que não se pode neles confiar. Aqueles que cobram dízimos e afins de seus fiéis para garantir milagres e 'lugarzinhos' no céu continuam a isso comprovar. Não há, ainda, que se temer uma indústria de embriões, já que a lei não permite que se façam inseminações artificiais para vender embriões – apenas os inviáveis e os congelados há mais de três anos (a serem descartados...) serão utilizados. Há plena razoabilidade e proporcionalidade nisso – mas esse argumento o migalheiro Dávio ignora... Em suma migalheiro Dávio: laicidade coincide com ciência. Se a ciência diz algo, a laicidade deve com ela concordar. Se o posicionamento de seu geneticista favorito, por você tão citado, for o que prevalecer entre a ciência médica mundial, então lhe parabenizarei, você terá vencido o debate, mas pela forma correta: por argumentações científicas, não por subjetivismos religiosos. Se isso ocorrer, estarei plenamente satisfeito: a ciência terá prevalecido e os subjetivismos religiosos terão sido ignorados (afastadas hipóteses de fundamentações dissimuladas, que espero não ocorram – espero que as pessoas tenham hombridade, decência de usar seus reais argumentos e não disfarça-los para serem melhor aceitos)." Envie sua Migalha