Jus Besteirandi

31/3/2008
Olavo Príncipe Credidio – advogado, OAB 56.299/SP

"Sr. Diretor de Migalhas. Baseando-me na controvérsia havida entre mim e o migalheiro Paulo Vecchiatti (Migalhas dos leitores – "Jus Besteirandi" – clique aqui), sobre interpretação de textos legais, e constatando a prisão, hoje, de um cidadão, presidente de uma Cooperativa, preso por corrupção, houve por bem definir o que é extorsão, na acepção da palavra, haja vista que juízes e promotores de Justiça confundem-nas, muitos denunciando e condenando réus a sentenças injustas, por péssima compreensão do que seja. Comento, porque a repórter disse clara e erroneamente que ele estava sendo preso por extorsão. Vamos analisar o que seja extorsão, gramaticalmente - judicialmente desde a advinda do latim. Se formos ao dicionário Aurélio, encontraremos: Extorsão (do latim extorsione).s..f. ato ou efeito de extorquir. 2- o crime de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intento de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer algo - latino-português 3. Exação, violenta; imposto excessivo 4. Concussão, usurpação. Dicionário José Cretella Jr. e Francisco Antonio de Souza e Franisco Torrinha- Extorsão = extorsio, onis = usurpação violenta. Nota. Não consta no Dicionário latino Saraiva o termo extorsão. Bem, analisemos o termo na sua latência: Mediante violência ou grave ameaça. Vocabulário Jurídico:  Plácido e Silva.: Extorsão. De extorquir (obter por violência) é ato de arrancar dinheiro ou vantagem de outrem sobre ameaça ou coação. É modalidade de exploração (indevida). E a lei penal a configura crime, impondo sanções à pessoa que a pratica. A extorsão pode ocorrer com o seqüestro da pessoa. Assim mais se agrava o crime Extorsão no Código Penal Brasileiro: artigo 158. Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. § 2º. Aplica-se a extorsão praticada mediante violência o disposto no §3º do artigo anterior. § 3º. Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 a 15 anos, além de multa; se resulta morte, a reclusão é de 20  a 30 anos, sem prejuízo da multa. Se formos ao C.P. italiano (Códice Penale = Codici e Leggi d'Ítalia-FranchiFerociFerrari) - C.P.II-Dei delitti  in Particolare. 629- Estorsione. Chiunque, mediante violenza  o minaccia, constrigendo taluno a fare o ad omettere qualche cosa, procura a se  o ad altri un ingiusto profitto con altrui danno, è punito com la reclusione (23) da cinque a dieci anni e con la muta (24)  da lire... La penna é della reclusione da sei a vinte anni  e della multa da lire... se concorre a taluna delle circonstanze indicate nell'ultimo capoverso dell'articolo precedente. Tradução. 629-Extorsão. Qualquer um que mediante violência e ameaça constrangendo alguém a fazer ou a cometer qualquer coisa, procura a si ou a outro um injusto proveito com outros danos, é punido com a reclusão de cinco a dez anos e com a multa (hoje deve ser em euros). A pena é de reclusão de seis a vinte anos e da multa (em euros) se concorre a alguma das circunstâncias do verso do artigo superior: com arma de fogo etc. Bem. Vamos analisar o que é violência, no que diz De Plácido e Silva em Vocabulário Jurídico: Do latim violentia, de violentus (com ímpeto, furioso, à força)  entende-se o ato de força, a impetuosidade, ao cometimento, a brutalidade, a veemência. Em regra, a violência  resulta da ação ou força irresistível, praticadas na intenção de um objetivo, que não se teria sem ela. Juridicamente, a violência é espécie de coação, ou forma de constrangimento posto em prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo  contra sua vontade. É, igualmente, ato de força, exercido contra as coisas na intenção de violentá-las, devassá-las, ou delas se apossar. Embora, em princípio, a violência ou violentação importe num ato de força, num ato brutal, tomando, pois, a força física, tanto pode ser material, como pode ser moral, revelando-se nos mesmos aspectos em que se pode configurar a coação, ou o constrangimento. Analisando, quando Buarque de Holanda diz de exação (exigir: de obrigar, cobrar um imposto). Ora. ninguém mais que o Estado (logo o Judiciário também)  tem o poder de exação, logo pode praticar extorsão, tanto por violência, como por grave ameaça, que pode ser material ou por coação ou constrangimento moral. Agora, analisemos, o que  relatei  no meu livro 'A Justiça Não Só Tarda...Mas Também Falha'. Três indivíduos, dizendo-se fiscais federais, com carteiras falsas, apresentaram-se numa firma do Rio de Janeiro, como tais, visando obter vantagem ilícita. Percebendo que não eram, pela atitudes deles, o atendente da sociedade, disse-lhes que o titular não estava e pediu que retornassem no dia seguinte, quando ele os atenderia. No dia subseqüente, dois deles retornaram, e estavam sendo esperados pela polícia, haja vista que o atendente os denunciara. Um membro da polícia fez que um deles acompanhado por ele, fosse até uma pensão, onde estava o terceiro e prendeu-o. A policia por sua vez, apreendeu o veículo de um dos falsos fiscais, sem dar comprovante de que aprendia-o, ilegalmente. Bem, absurdamente, os três foram indiciados; e o MP denunciou-os como extorsionários. Ora! Pode-se ver que a prática em nada indica extorsão. No máximo poderia configurar-se como tentativa de estelionato, e mesmo dizer-se de crime impossível, haja vista que não obtiveram vantagem ilícita nenhuma e foram esperados pela polícia, (se consultarmos a Súmula 145:  do STF). 'NÃO HÁ CRIME, QUANDO A PREPARAÇÃO DO FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA CONSUMAÇÃO'. O  que  se  comprovou foi que o atendente de maneira alguma foi coagido ou amedrontado de qualquer forma, além do automóvel seqüestrado pelo Juiz da 1ª.Instância, automóvel que foi amplamente provado, nos autos, fora doado pela mãe de um dos sentenciados, com recibos de aquisição, juntados... Esse seria o entendimento normal de quem analisasse o evento e a lei; pois, na sentença, os Juízes não só acolheram como extorsão, como demonstraram nada entender de interpretação, haja vista que declararam-se de acordo com o entendimento de um jurista de renome, Dr. Nelson Hungria, que a extorsão não admite tentativa, pois, de per si, já é crime. Note-se, porém, que há outras interpretações bem mais lógicas... O Juiz condenara os  réus a 11 anos de reclusão, que o Tribunal baixou para 9 anos. Acrescente-se que um dos réus era comprovadamente de higidez mental comprometida, psicopata, por 4 (quatro) laudos de Médicos-psiquiatras da Justiça de São Paulo, pois portador de epilepsia condutopática, o que o libertara de dois processos criminais, e tão somente fora obrigado a freqüentar sessões de psicoterapia. No Rio de Janeiro, entretanto, submetido a tão somente um perito-criminal, ele foi considerado são, ignorando as perícias de São Paulo, como só o perito do Rio de Janeiro fosse capaz; um absurdo! Aquele sentenciado foi jogado em um presídio comum, por seis anos, quando, na pior das hipóteses, deveria ter sido encaminhado para um órgão psiquiátrico. Faleceu em São Paulo, há dois meses, provavelmente pelas condições péssimas em que esteve internado, com problemas pulmonares. Sua família tentará reabilitá-lo post mortem  e obter  indenização pelos danos morais que sofreu. Quem lê minhas mensagens no Migalhas, pode ver que eu insisto em que haja um órgão que policie o Judiciário. Muitos perguntam-me o porquê? Pode-se ver da exposição acima os porquês. Condenações absurdas, fundamentadas até em má-fé, haja vista que o Juiz que os condenou disse ao advogado que os acompanhava que no Rio de Janeiro havia muitos marginais e não havia o porquê de marginais de São Paulo irem para lá; mas que ele lhes daria uma lição, comprovando sua discriminação. Se houvesse um órgão que examinasse aquela sentença espúria contra legem, certamente coibiria tal punição absurda, inclusive punindo o Judiciário de Primeira e Segunda Instância, se não fosse devidamente explicado o porquê; e era mais que certo que não seria explicado pela discriminação territorial havida, hoje até crime. Ademais, nenhum Poder deste País, sendo uma democracia, pode ter absoluta liberdade, porque homini sumus  nihil humani a nos alienum putamus, imitando Terêncio (Somos homens e nada do que é humano consideramos alheio a nós) e é óbvio que, sendo homens, podem errar: errare humanum est (o errar é humano) e não podemos considerá-los todos os homens por serem Juízes, como magistri dixerunt (os mestres disseram) pois até eles, os mestres erram e erraram, freqüentemente, aqueles considerados verdadeiros mestres da humanidade. Basta analisá-los por toda extensão da história universal. Mas, infelizmente, há muitos juízes que se julgam estar acima  de tudo, inclusive das leis, interpretando-as sem nexo, pois sentem-se seguros, impuníveis, principalmente pelo corporativismo. Abaixo coloco duas interpretações: a 1ª., na qual teriam se baseado os Juízes de 1ª e 2ª. Instâncias, no Rio de Janeiro, havendo de se notar que em nenhum lugar há comentários pelo autor, analisando introspectivamente o assunto, o que leva a crer que aqueles Juízes chegaram às suas próprias conclusões, subjetivamente, responsabilizando o autor pelas suas conclusões data venia incongruentes. Na lição de   NELSON HUNGRIA a extorsão não é mais do que uma espécie de genus constrangimento ilegal: é o constrangimento ilegal  qualificado pelo fim de indébita  locupletação  e que, por isso mesmo, é trasladado para órbita dos crimes contra o patrimônio (Comentários ao Código Penal. Ed. Ver. Forense, Vol VII/68). EXTORSÃO. Delito não configurado, sequer em tese–Vítima que em face de sua condição social, não se sentiu coagida ou amedrontada pelas ameaças dos acusados – Inexeqüibilidade, aliás destas Patrimônio que não podia ser afetado – Ausência de justa causa para a ação penal... Os meios que integram a ação física do delito de extorsão devem ter idoneidade para a consecução do fim do delinqüente o que se apura não só quando por eles esse resultado for alcançado, como também pela apreciação da personalidade do sujeito passivo - sua idade, educação, instrução, sexo, condição social etc. – na hipótese de que o evento não chegou a se consumar. Tribunal Alçada Criminal de São Paulo - HC nº 66.982 - impetrantes: Bacharéis. Raimundo Pachoal Barbosa e e Zulaiê Cobra Ribeiro. No caso do Rio de Janeiro, o réu, psicopata, teve sua condição definida por 4 (quatro) Peritos criminais de São Paulo e, a par disso, foi historiada nos autos o que disseram sobre a epilepsia de que era portador, os Médicos–psiquiatras franceses, Henry Ey, P. Bernard,e C. Brisset, na obra Manuel de Psychiatrie. Nada adiantou. Inúmeros habeas corpus foram impetrados, inclusive no STF, sendo que somente  num houve um voto favorável, do Ministro Celso de Mello. A par disso tudo foi ventilada, na defesa, a interpretação de Jurista a italiano, quanto à diferença entre extorsão e  estelionato, o que significam ambos, na lídima expressão do termo. Foi em vão! Analisando o que a vox populi diz que um réu bem assistido por advogado jamais será condenado, eu ironizo: Jamais será condenado, sim, se houver juízes coerentes na interpretação das leis, diante do fato em si. Por isso, alerto aquele Presidente de Sindicato para que tome cuidado com essa veiculação na mídia, chamando-o de extorsionário, porque a pena é bem mais grave do que se for acoimado de estelionatário. Atenciosamente"

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