Anencefalia diante dos tribunais

19/7/2004
Wagner Cardeal Oganauskas

"Gostaria de parabenizar o Professor Ives Gandra da Silva Martins (Migalhas 967 - 16/7/04) por elucidar mais o assunto acerca da anencefalia. Também me posiciono contrário à medida do Ministro Marco Aurélio, e peço vênia para complementar um pouco mais. Tive um irmão que, durante a gravidez, sofreu um grave quadro infeccioso, resultando em seqüelas que lhe impediriam sobreviver após o parto, mesmo contando com o avanço da medicina na época. À minha mãe foi aberta a possibilidade de interromper a gravidez, sob o argumento de que sofreria menos. Conversando com meu pai e nós, filhos, ponderou que ainda que fosse certa a morte daquele feto após o nascimento, ele deveria viver e morrer com a dignidade de uma pessoa humana. Minha mãe não tinha formação jurídica, mas com conhecimento empírico da Justiça, tomou a decisão correta. Meu irmão, nasceu, viveu 6 dias e faleceu como previram os médicos, recebeu um nome, foi velado e enterrado. Graças a essa atitude posso chamar-lhe com entusiasmo de irmão. Posso visitar seu túmulo e colocar flores. Minha mãe sofreu como qualquer mãe sofreria por um filho acometido de doença terminal. Mas hoje, vejo que ela pode colocar a cabeça no travesseiro e repousar, sem sofrer a eterna angústia de saber que não recebeu um filho que havia gerado, com o mesmo carinho e amor com que recebeu ao resto de sua prole. Com certeza, se tivesse interrompido a gravidez, estaria engrossando as filas nos consultórios psiquiátricos para tratar de um mal pouco divulgado: o trauma do aborto. Até hoje, não tenho claro os interesses que não permitem a divulgação deste mal que atormenta todas as mulheres que abortam. Mais ainda: que este mal não tem cura!!! Não há como comparar este sofrimento, com o de aguardar o término da gravidez e deixar a criança seguir o curso natural da sua vida. Talvez, o nosso ministro não tenha conhecimento de que uma das conseqüências deste problema psíquico, é que a mãe se volta contra aqueles que lhe facilitaram a solução desesperada, sejam médicos, enfermeiros, parentes ou ministros do STF. O que se pode afirmar com certeza, é que há uma grande omissão. Não se está procurando auxiliar essa mãe a superar esta fase difícil da vida, mas estão dando-lhe uma solução que lhe trará conseqüências trágicas, e que não possui lucidez para discernir. Nenhum médico, em sã consciência, é capaz de afirmar que o feto anencefálico não possui vida. Pois aprendem nas disciplinas mais básicas do curso, que um feto, vindo a morrer no útero materno, ou é expelido ou apodrece. Neste caso não. Este feto, ainda que disforme, se desenvolve e chega, em muitos casos, ao final do período gestacional quando vem ao mundo. Qual a diferença entre tirar a vida de um feto que irá viver somente uns minutos, uns dias ou umas semanas? Passa a ser uma questão de semântica, de subjetividade do juiz ou legislador, que não retira a objetividade do ato: impediu-se que uma pessoa nascesse e morresse com dignidade. A ninguém é possível impedir o exercício destes direitos fundamentais, ainda que a natureza desta pessoa somente lhe permitirá sobreviver por um curto espaço de tempo."

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