xHomem grávido

7/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Nove vezes, Vecchiatti, nove vezes. Na escola tínhamos um professor que, ao dar aula, contávamos quantas vezes ele usava a palavra 'então'. No seu último comentário, você usou nove vezes a palavra 'ignorância', ou a variante 'ignorante'. Referindo-se a mim, é claro. E só duas a palavra 'inteligência', referindo-se a você. Ainda estou ganhando. Mas, cuidado, o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Afinal, é sabido que o mal da ignorância é que vai adquirindo confiança à medida que se prolonga, e a repetição já demonstra uma certa infantil impertinência. No entender de Aristóteles, e não desafie sua inteligência, o ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete. Não é inteligente ficar repetindo. Além disso, o primeiro sinal de ignorância – e ninguém está aqui para desafiar impunemente a sua vasta capacidade intelectual – é presumirmos o que sabemos. Leitura diversificada é bom, às vezes (li isso em Baltazar Gracián y Morales). Ainda sobre a ignorância, Blaise Pascal ensina que

'A ciência tem duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância da qual tinham partido; mas é uma ignorância sábia que se conhece. Os do meio, que saíram dessa ignorância natural e não puderam chegar à outra, têm umas pinceladas dessa ciência suficiente, e armam-se em entendidos. Esses perturbam o mundo e julgam mal de tudo. O povo e os verdadeiramente sábios compõem a ordem do mundo; estes desprezam-na e são desprezados'. 

Mas, minha posição atual é a assumida por Michel de Montaigne, de deixar-me ir como me apraz.

'A ciência e a verdade podem residir em nós sem juízo, e este pode habitar-nos desacompanhado delas: o reconhecimento da própria ignorância é um dos mais belos e seguros testemunhos de juízo que conheço. Não tenho outro sargento para pôr em ordem os meus escritos além da fortuna. À medida que as divagações me ocorrem, eu as empilho; ora se atropelam em bando, ora se dispõem em fila. Quero que todos vejam o meu passo natural e simples, por irregular que ele seja. Deixo-me ir como me apraz, e estes não são assuntos que não seja permitido a um homem ignorar ou tratar de maneira ligeira e casual

Bem que eu desejaria ter conhecimento mais perfeito das coisas, mas não quero comprá-lo por ser muito caro. O meu desejo é passar airada e não laborosiamente o tempo que me resta de vida. Bem nenhum existe que seja capaz de levar-me a quebrar a cabeça por ele, nem mesmo a ciência, por valiosa que seja. Não procuro nos livros senão alcançar prazer mediante um divertimento honesto, ou, se estudo, não busco senão a ciência que trata do conhecimento de nós próprios, e que me ensina a morrer e a viver bem'. 

Quanto à inteligência, à sua inteligência, a que não deve ser nunca desafiada, aquela monolítica a vitoriosa, surda mas não muda – infelizmente – lembra-me Ortega y Gasset, in Rebelião das Massas: 'Para que ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir'. E, como Millôr, desde há muito tempo, desfruto o 'grande prazer de um homem inteligente de bancar o idiota diante de um idiota que banca o inteligente'. Até porque, colega, Bakunin, o Mikhail – e não vamos desconfiar da inteligência dele – dizia que não há nada mais estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma. Por isso, como Rochefoucauld, provo a minha inteligência, ocultando-a, e declarando minha ignorância, alto e bom som, para que os que têm uma idéia fixa, aos quais parece terem uma grande idéia, que não é grande, mas porque enche todo o cérebro, pensem que são inteligentes, e acoimem de ignorantes os outros, desconhecendo que uma verdadeira inteligência desconfia dela mesma, e dá valor à dos outros e que, pensar nunca fez mal a ninguém."

Envie sua Migalha