União estável homossexual

10/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Não é provocação e nem pretendo estabelecer qualquer debate a respeito. Apenas desejo deixar aqui a minha opinião que família é aquela constituída de homem e mulher. Por isso não aplaudo o voto de Massami Uyeda que, em sentido contrário, poria fim à essa discussão. Mas, vamos aguardar o quinto voto que, espero, acabe com esse assunto de vez. Minha opinião, ou posição, se interessa, é a do Acórdão abaixo.

'Acórdão: Apelação Cível n. 2006.035584-8, de Joinville.

Relator: Des. Fernando Carioni.

Data da decisão: 28.11.2006.

Publicação: DJSC Eletrônico n. 123, edição de 12.01.2007, p. 97.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE HOMOLOGAÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO – UNIÃO ENTRE HOMOSSEXUAIS – DIVISÃO DO PATRIMÔNIO COMUM – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TRAMITAÇÃO DO FEITO NA VARA DA FAMÍLIA – COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL – SENTENÇA CASSADA – RECURSO PREJUDICADO

"A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. [...] Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados – arts. 1º e 9º da Lei n. 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família" (STJ, REsp n. 502995/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 26-4-2005, DJU de 16-5-2005, p. 353).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.035584-8, da comarca de Joinville (2ª Vara da Família), em que é apelante o representante do Ministério Público, sendo apeladas M. A. de S. e C. dos S. D.:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, de ofício, cassar a sentença, prejudicado o recurso.

Custas na forma da lei.

I – RELATÓRIO

M. A. de. S. e C. dos S. D. ajuizaram ação de dissolução de sociedade de fato amigável, objetivando, em síntese, a obtenção de tutela jurisdicional que homologue a dissolução da sociedade com a partilha de bens.
Alegaram que tiveram uma vida em comum desde setembro de 2001, com o desiderato de constituir família e adquirir patrimônio comum, em regime de união estável.
Sustentaram que a vida em comum tornou-se insuportável, razão pela qual decidiram amigavelmente pela dissolução da sociedade de fato constituída.

Aduziram que o patrimônio adquirido deverá ser partilhado.

Afirmaram, ainda, que a primeira requerente indenizará a segunda requerente na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em 10 (dez) parcelas iguais.

Destarte, requereram a dissolução da sociedade de fato conforme os termos constantes na exordial.

Por fim, postularam o benefício da assistência judiciária gratuita.

Juntaram documentos (fls. 8 a 17).

Em sentença, a MMa. Juíza julgou extinto o processo, com julgamento de mérito, na forma do art. 269, III, do CPC, reconhecendo como dissolvida a união estável.

O Ministério Público, por seu representante, interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma parcial da decisão, com o objetivo tão-somente de enquadrar a relação homossexual das requerentes em sociedade de fato, descaracterizando a união estável e homologando o acordo feito na inicial.

Juntou documentos (fls. 38 a 41).

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo, que opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

II – VOTO

Da análise dos autos, verifica-se que as autoras, ora apeladas, pretendem a homologação da dissolução da sociedade com a partilha de bens.

Todavia, sentenciando o feito, determinou a MMa. Juíza que fosse julgado extinto o processo, com julgamento de mérito, na forma do art. 269, III, do CPC, reconhecendo como dissolvida a união estável.

Ora, não obstante as respeitáveis considerações esposadas pela ilustre Magistrada a quo, não há equiparar a união homossexual/homoafetiva à união estável. É que, conforme precedentes jurisprudenciais, a união entre pessoas do mesmo sexo equipara-se a uma sociedade civil, regida pelas disposições do direito civil comum.

Sabe-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, não há regulamentação para as uniões homoafetivas; portanto, a união entre homossexuais juridicamente não existe, nem pelo casamento, nem pela união estável, só podendo ser considerada sociedade de fato, cuja dissolução atinge contornos econômicos, resultantes da divisão de patrimônio comum, com incidência, assim, do direito das obrigações.

A propósito:

[...] A Constituição Federal, por seu turno, no artigo 226, considera como família apenas a união nascida entre um homem e uma mulher, não reconhecendo direitos de natureza familiar aos enlaces entre pessoas do mesmo sexo. [...] (in Ações de Direito de Família, coord. Rolf Madaleno, Ana Cristina Brenner, ... [et al.], Porto Alegre, ed. Livraria do Advogado, 2006, p. 209).

Desse modo, nota-se que a Constituição Federal reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, estabelecendo, por seu turno, o art. 1º da Lei n. 9.278/96, in verbis:

Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Assim, os requisitos para reconhecimento da união estável são: dualidade de sexos, a convivência duradoura, a continuidade da relação, a publicidade e a intenção de constituir família.

Logo, no caso das uniões mantidas por pessoas do mesmo sexo, o que efetivamente deve ser considerada e reconhecida é a configuração de sociedade de fato (art. 981, do CC e Súmula 380 do STF).

Nesse sentido:

[...] duas pessoas do mesmo sexo não podem assumir, uma perante a outra, as funções de marido e esposa, ou de pai e de mãe em face de eventuais filhos. Não se trata, em princípio, de perquirir sobre a qualidade física ou psicológica das relações sexuais entre homossexuais, nem emitir sobre tais relações qualquer julgamento moral [...] (Rainer Czajxowski, União Livre, Juruá, 1997, p. 54).

E mais:

O Direito de Família tutela os direitos, obrigações, relações pessoais, econômicas e patrimoniais, a relação entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e a dissolução da família, mas das famílias matrimonial, monoparental e concubinária. A união entre homossexuais, juridicamente, não constitui nem tem o objetivo de constituir família, porque não pode existir pelo casamento, nem pela união estável. Mas se houver vida em comum, laços afetivos e divisão de despesas, não há como se negar efeitos jurídicos à união homossexual.

Presentes esses elementos, pode-se configurar uma sociedade de fato, independentemente de casamento ou união estável. É reconhecida a sociedade de fato quando pessoas mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr fim comum (art. 1.363 do CC/1916; art. 981 do novo CC). Assim, embora as relações homossexuais escapem da tutela do Direito de Família, não escapam do Direito das Obrigações. (União Homossexual – Reflexões Jurídicas. Revista dos Tribunais, n. 807, p. 82 – 102, 2003, p. 95).

Acerca do tema colhe-se da jurisprudência pátria:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1º e 9º da Lei nº 9.278 de 1996, a homologação está afeta à Vara Cível e não à vara de família. 4. Recurso Especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça STJ, RESP 502995, RN, Quarta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 26-4-2005, DJU 16-5-2005, p. 353).

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, CUMULADA COM DIVISÃO DE PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE DIREITOS ORIUNDOS DO DIREITO DE FAMÍLIA.

COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL. Tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas Cíveis. Recurso Especial conhecido e provido. (Superior Tribunal de Justiça STJ, RESP 323370, RS, Quarta Turma, rel. Min. Raphael de Barros Monteiro Filho, j. em 14-12-2004, DJU 14-3-2005, p. 340).

A par disso, percebe-se que, no caso dos autos, não se evidencia a união estável, a qual levaria à competência do juízo familiar, mas, sim, uma dissolução de sociedade de fato, com divisão do patrimônio, pedido este de cunho estritamente patrimonial, encaixando-se nos direitos obrigacionais.

Nesse contexto, não há razoabilidade na atribuição de competência à 2ª Vara da Família de Joinville para a homologação do presente pedido, porquanto a competência para apreciar e julgar o feito é das Varas Cíveis.

Salienta-se que a incompetência em razão da matéria é de ordem pública e deve ser reconhecida até mesmo de ofício.

Por ilação, nula é a sentença proferida pela Magistrada a quo.

Ante o exposto, ex officio, cassa-se a sentença de primeiro grau, a fim de que a lide seja processada e julgada pelo juízo competente, qual seja, o das Varas Cíveis da comarca de Joinvillle, estando prejudicada, com isso, a análise do recurso.

III – DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, ex officio, cassa-se a sentença de primeiro grau, prejudicado o recurso.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Sérgio Izidoro Heil. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Dr. Jobél Braga de Araújo.

Florianópolis, 28 de novembro de 2006.

Fernando Carioni

PRESIDENTE E RELATOR'."

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