Isabella

10/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Quando cursava a faculdade, nosso professor de penal costumava dizer que a prova testemunhal, que o público costuma considerar a melhor das provas é, na verdade, a meretriz das provas. Para nós, estudantes, era difícil imaginar o motivo pelo qual o mestre dava tão pouca importância à prova testemunhal que, para nós, parecia absoluta. Até um dia em que, em plena aula, um aluno a interrompe para, da porta, inquirir outro, que assistia a aula. Após breve troca de insultos, chegaram às vias de fato. Engalfinhados no chão, aos murros, foram enfim separados, para o professor, acalmados os ânimos, anunciar: 'Papel e lápis – ou canetas – relatem o que viram, em detalhes, como se fossem testemunhas, em Juízo, dos fatos'. Depois, começou a ler os 'testemunhos', provando-nos que 'não batiam', cada qual contava uma história, sobre um acontecimento visto por todos, ocorrido há segundos. Ninguém contava a mesma história. Nada coincidia, nem a roupa que os personagens vestiam, nem quem xingou primeiro, nem quem agrediu quem. Nada. Por isso, diz-se, a prova testemunhal é a meretriz das provas. Em outra ocasião, ainda na faculdade, outro professor levou-nos os autos de uma ação – não me lembro qual o assunto -  e leu a inicial. Todos nós, estudantes ainda, fomos unânimes, toda a razão era do autor. Isso até que fosse lida a contestação, quando concluímos que, sem dúvida alguma, a razão estava com o réu, dúvida que foi devidamente espancada na réplica, quando foi lida. Não é que o autor tinha razão? Mas, quando vimos os documentos do réu, aí sim vimos que era ele que tinha razão, o que foi destruído pelas razões finais do autor, magníficas, que punham fim às dúvidas. Não havia por que duvidar. Até que foram lidas as contra-razões do réu. Que beleza. Afinal, sempre soubéramos, desde o início, que ele tinha razão. Mas, agora, não sabíamos mais nada mesmo, a não ser que todas as questões – e, justamente aí queria chegar o professor – tudo tem dois ou mais lados. Isabella morreu e, sem dúvida, os assassinos foram o pai e a madrasta. Mas, eles disseram que uma terceira pessoa foi o assassino. Balela, pensamos todos. Foram eles, julgamos e condenamos. Estavam bêbados, ou drogados. E, de mais a mais, madrasta é madrasta. Daí, o laudo: não estavam alcoolizados e nem drogados. E o vídeo do supermercado, todos de mãos dadas. Então, não foram eles: foi uma terceira pessoa. Mas, uma terceira pessoa só mataria, e não jogaria pela janela. Então, foram eles. Mas, se foram eles, por que não jogariam ela janela do quarto da menina, mas do quarto dos meninos? E, se foi outra pessoa, porque jogaria do outro quarto? A verdade? A verdade é que estou cansado de ouvir 'testemunhas' que, afinal, nada viram e nem ouviram nada de concreto, assim como cansado de ver equipes de perícia criminal voltar inúmeras vezes à cena do crime, ainda que a mesma já esteja severamente violada, bem como cansado das 'conclusões' dos 'âncoras' dos noticiários televisivos, que necessitam encontrar o culpado antes de suas concorrentes. Em razão disso tudo, o melhor, como diz o promotor encarregado – que, aliás, vem falando mais do que o necessário – é aguardar os acontecimentos, deixando de lado as conclusões do programa da Luciana Gimenez e, principalmente, de Marcelo Rezende. Pode ser que tudo acabe como no caso da menina Madeleine McCann, desaparecida na Praia da Luz, em Portugal? Até pode. Mas, o que fazer? Condenar o pai, ou encarcerar a madrasta – termo impróprio, aliás – só para contentar os telespectadores é que não seria justo, e nem correto."

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