União estável homossexual 11/4/2008 Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668 "Peço vênia para transcrever alguns julgados que seguem a mesma linha que defendo: 'Ementa: UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. SOBREVIVENTE. PROVA DA RELAÇÃO. POSSIBILIDADE - À união homo afetiva que irradia pressupostos de união estável deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo reconhecer os direitos decorrentes deste vínculo, pena de ofensa aos princípios constitucionais da liberdade, da proibição de preconceitos, da igualdade e dignidade da pessoa humana. (TJ/MG, Apelação Cível No. 1.0024.05.750258-5/002(1), Relator Dezembargador Belizário de Lacerda, v.u., julgado em 04/09/07) Trecho do inteiro teor: (...) Em tese, é possível reconhecer a procedência do pedido em razão da união de homoafetiva, cabendo comprovar a dependência e demais requisitos. Como bem asseverou a douta Desembargadora Heloísa Combat por ocasião do voto proferido na apelação cível de nº 1.0024.06.930324-6.001: "Todavia, ao meu ver, os direitos decorrentes da união homoafetiva são indissociáveis do conceito de entidade familiar, ou seja, não há como conferir direitos sem, antes, reconhecer que a união entre pessoas do mesmo sexo configure uma entidade familiar. E, no meu entendimento, desde que preenchidos os requisitos necessários, deve ser reconhecida como união estável a união homoafetiva. E, considerando-se que a Constituição Federal reconhece o caráter de entidade familiar da primeira, não há motivos para se negar, à segunda, o mesmo título. A partir da segunda metade do século XX, com, dentre outros fatores, a quebra do patriarcalismo, a revolução feminista e a globalização, a família passou por grande transformação, tendo deixado de ter como requisitos apenas o casamento, o sexo e a reprodução. Hoje, a antiga instituição é calcada, acima de tudo, no vínculo afetivo, admitindo-se, pois, várias formas de se constituir uma família, que pode ser a tradicional, formada por pai, mãe e filhos; aquela formada apenas por pai ou mãe e seus filhos; aquela constituída apenas por irmãos, nada impedindo que pessoas de mesmo sexo também formem uma família. Nesse novo século, a antiga fórmula pré-estabelecida para se definir a família, cedeu lugar ao convívio, ao companheirismo e à afetividade. Sobre o tema, a preciosa lição de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias: "As transformações da sociedade estão associadas a um novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi assentada pela Psicanálise, ensejando constar que a sexualidade se insere antes na ordem do desejo, que na genitalidade, como sempre fora tratada pelo Direito. Ante essa mudança, o pensamento contemporâneo ampliou seu horizonte sobre as diversas formas de manifestação da afetividade, compreendendo as várias possibilidades de constituir-se uma família. Principia, aí, a liberdade de afeto. Ou seja, a possibilidade de não se sujeitar aos modelos herdados e ainda postos como lei. Ganho curso histórico a libertação dos sujeitos." (...) "A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição, matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que - enlaçando os que a integram - consolidam a sua formação." (Direito de Família e o Novo Código Civil - Ed. Del Rey: 2002 - p. vii). Registre-se que, com o ato de se conferir à união homoafetiva o status de entidade familiar, não se estaria caminhando para o fim da instituição "família", mas, sim, para a sua adequação aos anseios de uma nova sociedade, mais justa, mais igualitária e menos preconceituosa. É dizer, conferir à união homoafetiva o caráter de entidade familiar não se trata de reconhecer a degredação da instituição "família", mas sim, a sua inevitável transformação. Na esteira da explanação retro, não se pode negar à união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável, o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Ressalte-se que o art. 226, da Constituição Federal, não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo o ser observando-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Ao meu sentir, o referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, creio não tenha o legislador tido essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas." Ora, não se pode esquecer o princípio da igualdade e sobretudo o princípio da não-discriminação, haja vista que o princípio da não-discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República, tal como se vê no caput do art. 3º do texto constitucional. Desta forma, o apelado na sua condição homossexual tem o direito constitucional de não ser discriminado, tendo no ordenamento jurídico o livre acesso à justiça para garantir direito seu de natureza fundamental. Assim, o princípio da não-discriminação, arrimo da igualdade entre os cidadãos, deve ser resguardado para que nunca perca sua efetividade.' (...)" Envie sua Migalha