Governo Lula

16/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Sinto que não respondi a contento a última intervenção do colega migalheiro Olavo Príncipe Credidio, quando considerou meus comentários, nada mais que Parole, Parole, Parole, algo para não ser levado a sério, que foge à realidade, meros sonhos, utopias, o que me fez meditar a respeito, e muito. Primeiro, não acho um sonho, nem uma utopia, cobrar decência dessa gentalha que são os políticos do nosso Brail. Depois, ninguém exige de ninguém a solução de nenhum problema do dia para a noite, mas apenas o cumprimento de promessas de campanha, sempre descumpridas, como fazem todos os antecessores de todos que estão no poder. Afinal, concluí que sonhos e utopias são melhores que meros chavões ou suposições, sempre repetidos, à falta de informações mais consistentes, a sustentar raciocínios melhor embasados. De resto, sonhos e utopias, podem ser, mas necessariamente não são a mesma coisa. 'Eu tenho um sonho, discursava Martin Luther King, em 1963, que um dia essa nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos essas verdades e elas serão claras para todos, que homens são criados iguais'. Cinco anos depois, como se sabe, foi assassinado, mas seu sonho não morreu, até se tornar realidade. Utopia, nesse sentido, parece-se com um sonho, pois, no entender de Victor Hugo, ‘é a verdade de amanhã' ou, como dizia Lamartine, 'as utopias não passam de verdades prematuras'. Sonho, utopia? Sim, por que não? No final das contas, penso (logo, existo) e voto, e tenho o direito de exigir respeito pelo meu voto. Isso, perdoe-me, não foge à realidade. Há de ser levado a sério. Assim como Martin Luther King, e por certo milhões de brasileiros, temos um sonho. 'Sim, o sonho! Sim, a quimera! Sim, a ilusão! Sem os sonhos, sem as quimeras, sem as ilusões, a vida não tem sentido e não oferece interesse. A utopia é o princípio de todo progresso. Sem as utopias de outrora, os homens viveriam ainda miseráveis e nus nas cavernas. Foram os utopistas que traçaram as linhas da primeira cidade... Dos sonhos generosos, nascem as realidades benéficas...' (Anatole France, Aos Estudantes). Nem sempre utopia tem o significado de algo irrealizável, inatingível. Thomas Moore, ou Morus, chamou de utopia, a um romance ('de optimo statu reipublicae deque nova insula utopia'), que se passava em uma ilha na qual teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa, o que motivou que o termo utopia passasse a designar qualquer ideal cuja realização seja difícil ou impossível. No entanto, Karl Manheim, segundo Nicola Abbagnano, considerava a utopia como algo destinado a realizar-se, ao contrário da ideologia que não é passível de realização. Nesse sentido, a utopia seria o fundamento da renovação social. Em outras palavras, e seguindo o ensinamento de João Baptista Herkenhoff, a palavra utopia deriva do grego, e significa 'que não existe em nenhum lugar' e, ao contrário do mito, utopia 'é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o homem lutar pela sua concretização'. Herkenhoff acrescenta que a 'utopia é a consciência antecipadora do amanhã', e que 'o mito ilude o homem e retarda a história', enquanto o pensamento utópico é o grande motor das revoluções. Assim, caro migalheiro Olavo Credidio, e esse é exatamente o seu campo, orgulho-me de sonhar e de meu pensamento utópico, como chamou, que acredito no bom sentido, não do mito, mas no entendimento correto da palavra. Agora, deixando de lado as Parole, vamos aos fatos, deixando de lado, também,  as versões e os chavões e as meras suposições. Quando o amigo se refere a doar bens brasileiros, inalienáveis, a amigos ou aos gringos, estava se referindo, de maneira genérica, às privatizações do governo anterior? Referia-se àquelas privatizações com que Lula, nos debates, ameaçava, com aquele ar esperto, o outro candidato, sempre perguntando: 'E aí, vão privatizar?'. Porque se o amigo se refere às privatizações, bem me lembro daqueles debates, e da ojeriza demonstrada pelo candidato vencedor, e pelo seu partido, e pela base que o apoiava, aliás a pedra-de-toque da campanha, o 'NÃO' às privatizações, a venda do país aos estrangeiros (os gringos) ou a iniciativa privada (os amigos). Mas tem o amigo acompanhado os noticiários? Ficou sabendo da privatização do Banco do Estado do Maranhão (BEM) e do Banco do Estado do Ceará (BEC), ambos sob controle da União? Está o amigo informado do leilão das rodovias federais, na sua maioria comprada pelo capital estrangeiro, através do consórcio espanhol OHL que adquiriu 5 dos 7 trechos vendidos, os que ligam São Paulo a Belo Horizonte (Fernão Dias) e a Régis Bittencourt? Dilma Rousseff considerou o resultado do leilão 'espetacular'. Está o amigo a par de que as privatizações vão continuar, incluindo as usinas hidrelétricas do Rio Madeira e, até, as obras de transposição do Rio São Francisco? Duvida? É só examinar o cronograma do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento que registra, até dezembro de 2008, um oferecimento de 30 bilhões ao setor privado. Gringos? Amigos? Crescimento de quem? E a lei de concessões de terras da Amazônia? São concessões de terras florestais públicas para desmatamento. Ainda em 2008, haverá a privatização portuária, com cinco blocos de portos sendo oferecidos, desde o porto de Itaguaí ao de Vitória. Tudo isso, sem contar com o que poderia chamar de privatização 'pela beirada', também conhecida por terceirização, com o que o governo Lula já gastou quase 50 bilhões, em setores essenciais da economia, como petróleo, estradas, etc., inclusive contratando empresas privadas para realização de serviços para estatais. Ou o colega pensava que a Huliburton (do vice-presidente dos Estados Unidos), dos gringos, fazia exatamente o que, 'ajudando' a  Petrobras, naquele estranho caso do sumiço dos laptops? Até nos Correios, certos setores altamente lucrativos, como o transporte de mercadorias, foram terceirizados, ou seja, privatizados, e isso quando o monopólio estatal já está ameaçado por empresa (dos gringos) com DHL e Fedex. Acho que o colega esperava – e eu também, acredite – que o governo Lula começasse por desmontar a política econômica baseada no receituário neoliberal de Washington, executada pelo seu antecessor, desenvolvida após o governo militar, agravada no governo Collor e claramente intensificada e racionalizada por FHC. Mas, afinal, nada disso aconteceu. O governo Lula é mais neoliberal que o anterior e o país perdeu uma oportunidade histórica de derrotar o neoliberalismo. O governo Lula, caro migalheiro, que pensou ganhar as classes dominantes para o seu projeto, ainda não percebeu que, na verdade, foi ganho pelas classes dominantes para o projeto delas. Daí os lucros obscenos dos bancos, por exemplo. Agora, se ele quer brincar de casinha enquanto isso, e dar esmola aos 'seus' pobres, posando de 'pai' da pátria, tudo bem, mas que isso não melhora, e nem presta para o Brasil, não presta. E, a propósito, só para corrigir um dado, não porque eu goste do FHC – minha opinião é mais crítica do que a sua, pois abrange o atual e o antecessor – mas é necessário ser preciso com os dados, não foi Lula que 'inventou' o 'Bolsa Família' e nem seu antecessor 'apalavrou mentirosamente' isso. Para ser fiel à verdade, já existia no governo FHC a chamada Rede de Proteção Social (Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação). Quando da transição, os técnicos de FHC sugeriram aos técnicos do PT, no Centro Técnico do Banco do Brasil, a unificação. A recomendação foi levada a Lula, que a rejeitou. Posteriormente, Lula saiu-se com o Fome Zero, que deu com os burros n'água. Daí resolveu seguir a antiga recomendação, reunindo todos os programas anteriores sob o nome de Bolsa Família. Como é um programa que hoje é meramente eleitoral, que não multiplica pães mas votos, conta com alguns problemas, amplamente noticiados, como o fato de, no nordeste, muitas pessoas terem deixado de trabalhar, para viverem só do Bolsa Família, o que está provocando a falta de mão-de-obra na lavoura e, via de conseqüência, o aumento da pobreza. E, finalmente, caro migalheiro, teremos de conviver com a grita internacional dos esfomeados, das mais baixas camadas das populações do mundo, que não têm mais como comprar comida, face à alta exagerada dos preços, em todo o mundo, em razão não só da devastação do solo cultivável para o plantio que resulte em etanol e biodiesel, mas pela necessidade que esses produtos têm dos defensivos agrícolas, já em fase de extinção, não renováveis, que comprometerão, de forma definitiva, populações inteiras a morrer de fome. Quem alerta é a ONU. A acusação pesa sobre o Brasil, o de agora, e não o do antecessor. E quem está lá, na ONU, na comissão própria, é o Clóvis Graciano, o que antes dirigiu, sem sucesso, o programa Fome Zero aqui do Brasil de Lula. Peço desculpas por ter sido tão longo. Mas os fatos são mais compridos do que meros sonhos e utopias para descrever. Suposições são mais curtas e repetitivas, mas vale a pena uma informação completa, ainda que mais maçante."

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