Circus

16/4/2008
Eldo Dias de Meira – Carazinho/RS

"Bochincho
Jayme Caetano Braun

A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
que o vício é que nem sarnoso
nunca para nem se ajeita.

Baile de gente direita
vi de pronto que não era,
na noite de primavera
gaguejava a voz dum tango
e eu sou louco por fandango
que nem pinto por quirera.

Atei meu zaino longito
num galho de guamirim,
desde guri fui assim
não brinco nem facilito
em bruxas não acredito
pero que las hai las hai
sou da costa do Uruguai
meu velho pago querido
e por andar desprevenido
há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,
de pau a pique barreado
num trancão de convidado
me entreverei no bazé,

O chinaredo à bola-pé
no ambiente fumacento,
um cadeeiro bem no centro
num lusco-fusco de aurora,
pra quem chegava de fora
pouco enxergava ali dentro.

Dei de mão numa tiangaça
que me cruzou no costado
e já saímos entreverados
entre a poeira e a fumaça
oigale china lindaça
morena e de toda a crina
dessas da venta brasina
com cheiro de lechiguana
que quando ergue uma pestana
até a noite se ilumina!

Misto de diaba e santa
com ares de quem é dona
e um gosto de temporona
que traz água na garganta,
eu me grudei na percanta
o mesmo que um carrapato
e o gaiteiro era uma mulato
que até dormindo tocava
e a gaita choramingava
como namoro de gato.

E a gaita velha gemia
às vezes quase parava
e de repente acordava
e num vanerão se perdia.

E eu contra a pele macia
daquele corpo moreno
sentia o mundo pequeno
bombeando cheio de enlevo
dois olhos flores de trevo
com respingos de sereno.

Mas o que é bom se termina
cumpriu-se o velho ditado
eu que dançava embalado
nos braços doces china
escutei de relancina
uma espécie de relincho,
era o dono do bochincho
meu oitavado num canto
que me olhava com espanto
mais sério do que um capincho!

E foi ele que se veio
pois se era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha
como dono de rodeio
quis me partir pelo meio
com um talonaço de adaga
que se me pega me estraga
chegou a levantar um cisco
mas não é a toa chomisco
que eu sou de São Luiz Gonzaga.

Meio na volta do braço
consegui tirar o talho
e quase que me atrapalho
porque havia pouco espaço
mas senti o calor do aço
e o calor do aço arde
me levantei sem alarde
por causa do desaforo
e soltei meu marca touro
num medonho buenas tarde!

Tenho visto coisa feia
tenho visto judiciária
mas inda hoje me arrepia
lembrar aquela pelei
talvez quem ouça não creia
mas vi brotar no pescoço
do índio do berro grosso
como uma cinta vermelha
que desde o beiço até a orelha
ficou relampiando o osso!

O índio era um índio touro
mas até touro se ajoelha
cortado do beiço à orelha
amontoou-se como um couro
e aquilo foi um estouro
daqueles que dava medo
assustou-se o chinaredo
e amigos foi uma zoada
parecia até uma eguada
disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato
dum bochincho quando estoura
tinidos de adaga, espora
e gritos de desacato
berros de quarenta quatro
de cada canto da sala
e velha gaita baguala
num vanerão pacholento
fazendo o acompanhamento
do turumbamba debala!

É china que se escabela
redemoinhando na porta
e chirú da guampa torta
que vem direito à janela
gritando de toda guela
num berreiro alucinante
o índio que não se garante
vendo sangue se apavora
e se manda campo fora
levando tudo por diante!

Sou crente na divindade
morro quando Deus quiser
mas amigos se eu disser
até periga a verdade
naquela barbaridade
de chinaredo fugindo
de tiros e balas zunindo
o gaiteiro alheio a tudo
tocava um xotes crinudo
já quase meio dormindo!

E a coisa foi indo assim
balanceei a situação
já quase sem munição
e todos atirando em mim
podia ser o meu fim
me dei conta de repente
não vou ficar pra semente
mas gosto de andar no mundo
me espervam na dos fundos
sai na porta da frente!

E dali garrei o mato
abaixo de tiroteio
e ainda escutava o floreio
da cordeona do mulato.

E pra encurtar o relato
que me bandeei pro outro lado
pois cruzei o Uruguai a nado
que o meu zaino era um capincho
e a estória deste bochincho
faz parte do meu passado!

E a China!?

Esta pergunta me é feita
em cada vez que eu declamo
é coisa que eu reclamo
e entender nem consigo
eu num medonho perigo
duma situação brazina
todos me perguntam da china
e ninguém se importa comigo!

A china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
somente em sonhos a vejo
num bárbaro frenesi
talvez ande por aí
no rodeio das alçadas
ou talvez nas madrugadas
seja uma estrela chirua
dessas que se banha nua
nos espelhos das aguadas!"

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