Não!

22/4/2008
Romeu A. L. Prisco

"'O não, melhor é que o digam as leis, que os reis' (Migalhas 1.881 -17/4/08 – clique aqui). Essa frase de abertura de uma das últimas edições de Migalhas, atribuída ao Padre Antonio Vieira, ensejou-me rever uma crônica que escrevi em 2004, intitulada "Não !", publicada no 'newsletter' Direto da Redação, dos jornalistas Leila Cordeiro e Eliakim Araujo, plenamente compatível com seus dizeres, razão pela qual passo a reproduzi-la:

'O não foi, sem dúvida, a palavra que mais ouvi na minha vida. Não pode, não faça, não suba, não desça, não coma, não beba, não fume, não falte, não chegue atrasado, não está, não virá e por aí afora. Certamente, é a que mais devo ter pronunciado: não posso, não quero, não tenho, não vou, não vi, não ouvi, não dou etc.

Na esfera administrativa, tem ela as suas variantes, como nos processos judiciais: indefiro, denego, rejeito, é improcedente, é impertinente, é intempestivo e assim por diante.

Há até uma canção, em inglês, que diz 'please don't say no, say maybe', que se traduz: 'por favor, não diga não, diga talvez'. Como se vê, tem quem se contente com um talvez, no lugar do não.

Como é difícil dizer sim ! Por que será ? Entre as muitas explicações possíveis, aquela que me parece a mais lógica, sem ser a mais correta, indica uma espécie de sucessão, algo de pai para filho, que se transmite de geração para geração. No fundo, parece até existir uma certa dose de sadismo, via de regra inconsciente, como se dissesse: ora, eu recebi tantos não, por que você não pode receber apenas um ?

Só que, mais infelizmente do que felizmente, a vida não se resume num único não. Os não são em tal quantidade, que o sim acaba ficando somente para ocasiões mais solenes, como quando o sacerdote nos pergunta: aceita esta mulher como sua legítima esposa? Promete amá-la, honrá-la e defendê-la, na alegria e na tristeza, para o resto da vida, até que a morte os separe ? Aliás, esta é outra provável explicação para a dificuldade em se dizer sim, posto que, quando o fazemos, estamos assumindo uma responsabilidade muito maior do que quando dizemos não, dificuldade essa, por sua vez, intimamente relacionada com o medo da obrigação a cumprir.

Ainda na esteira do sim referido no parágrafo anterior, é de se esperar que as mulheres, que têm sido, ao longo da história, as maiores vítimas do não, continuem ouvindo dos homens outros sim, além daquele matrimonial.

Há de ser uma quantidade tão grande de sim, que compense todos os não do passado, quando as mulheres não podiam entrar desacompanhadas em certos lugares, não podiam trabalhar fora de casa e desempenhar determinadas funções, não podiam experimentar os prazeres do sexo antes do casamento, a não ser para vendê-los, não podiam servir às forças armadas e policiais, como ainda hoje não podem, entre outras restrições, receber, no setor privado, a mesma remuneração dos homens, pelo exercício do mesmo cargo.

Todavia, retomando a generalização e do jeito que as coisas estão se encaminhando no Brasil e no mundo, tanto para as mulheres, como para os homens, a exemplo daquela música americana, se ouvir um talvez no lugar do não, já estará de bom tamanho. Enfim, talvez venhamos a ter mais paz, menos guerras, menos fome, menos crianças carentes e abandonadas, menos preconceitos étnicos, religiosos, ou em função do sexo e da idade.

Por derradeiro, em abono da tese sustentada nesta crônica, basta ver quantas vezes eu nela escrevi o vocábulo não e quantas vezes escrevi o vocábulo sim."

Envie sua Migalha