Ah! Sócrates – pelo menos ele sabia 29/4/2008 Nelson Castelo Branco Eulalio Filho "Tem certa razão a migalheira Iracema Palombello a propósito de Sócrates. Realmente podemos ser levados, num primeiro momento, a pensar que se ele 'só sabe que nada sabe' ele sabe alguma coisa, a saber, sabe que nada sabe. Entretanto, a questão não é tão paradoxal ou contraditória (e muito menos babaquice) como quer a migalheira. Trata-se na verdade de um saber negativo. Sócrates [só] sabe (tem ciência) que nada sabe (que é insciente) das coisas. A única ciência que ele tem - por paradoxal que possa parecer - é de sua insciência (das coisas), e isso não é nem contraditório nem ilógico. O dr. Wilson Silveira trouxe inclusive um trecho do texto 'Apologia de Sócrates' à discussão e eu pensei que ali o assunto estaria encerrado pois melhor explicado do que aquilo é impossível. Contradição ocorre, por exemplo, com os céticos (no âmbito da Teoria do Conhecimento) quando afirmam que o conhecimento (sentido epistemológico) é impossível. Ao afirmarem a própria tese ('Não há conhecimento!') eles se contradizem, pois ao afirmarem que não há conhecimento eles estão admitindo pelo menos um conhecimento, a saber, o conhecimento de que não há conhecimento. Com boa vontade é possível constatar que não é o mesmo (sentido) que está implícito na frase atribuída pela tradição a Sócrates. Aliás, a propósito do excelente argumento do migalheiro Wilson Silveira sobre o sentido da expressão atribuída a Sócrates, quero fazer um pequeno adendo ao final do texto do ilustre colega migalheiro quando diz: 'Sócrates acabou condenado, apesar de sua maravilhosa defesa. E, é pena, nem apareceu no Fantástico.' Não apareceu no Fantástico, caro Wilson Silveira, mas apareceu no Diálogo 'Fédon', de Platão (que trata da imortalidade da alma). Sócrates está preso aguardando a aplicação da pena de morte pela ingestão (voluntária!) do veneno (cicuta) e que, por razões que o texto explica, demorou muito tempo entre a decretação da sentença (de morte) e a aplicação da mesma. Nesse meio tempo (enquanto aguardam a volta de um certo navio), Sócrates recebe a visita de vários discípulos (inclusive de sua mulher Xantipa e de seus filhos 'menores') e discutem acaloradamente, basicamente sobre a imortalidade da alma. É tratada, inclusive, a questão do suicídio, pois a pena capital na Grécia daqueles tempos era, tecnicamente, um suicídio. No final do Diálogo é narrado os últimos momentos de Sócrates, inclusive suas últimas palavras: 'Críton, não esqueça que devemos um galo a Asclepio' que, como se sabe é uma alusão ao deus da medicina pela 'descoberta' da cicuta que vai, enfim, proporcionar-lhe (a ele, Sócrates) finalmente a tão desejada libertação da alma que é, afinal, o que ele Sócrates e segundo suas próprias palavras (no relato de Platão) desejou e procurou a vida inteira - como, de resto, todo verdadeiro filósofo deve fazê-lo. Para quem não conhece (certamente não é o caso do dr. Wilson Silveira) vale a pena a leitura. Pode ser encontrado na Coleção da Abril Cultural 'Os Pensadores' (1978), volume 'Platão'. Ainda a propósito de Filosofia devo lembrar aos colegas migalheiros que a palavra Filosofia é de origem grega e composta de duas outras: 'philo' (derivada de philia, que significa amor fraterno, amor-amizade) e 'sophia' (sabedoria) da qual deriva a palavra 'sophos', que significa sábio. Segundo a tradição o criador do termo teria sido Pitágoras (século V a.C.) que certa vez, aos ser chamado de sábio (sophos), teria respondido que a sabedoria plena pertence somente aos deuses; cabendo aos homens tão somente amá-la, procurá-la, desejá-la. 'Assim sendo - teria dito Pitágoras - não me chamem de sábio (sophos), mas de 'philosopho' (amigo da sabedoria)'. Num outro Diálogo de Platão, o 'Fedro', Sócrates, isto é, Platão pela boca de Sócrates, diz algo muito parecido a respeito de como se deve chamar a quem se dedica à busca do saber: '... sábio... parece-me exagerado, pois tal nome convém somente a um deus; mas chamá-lo filósofo, ou seja, amante da sabedoria, ou com outro nome desse tipo seria mais próprio e mais conveniente'. (cf. Platão. 'Fedro', 278 b-e). Vale lembrar, também, que a Filosofia, enquanto tentativa de explicação racional do mundo, tem pai, data e local de nascimento: nasce por volta de meados do século VII a.C. e início do séc. VI a.C. na colônia grega de Mileto, justamente com Tales de Mileto conhecido pela tradição como o primeiro filósofo (e um dos sete sábios da antiguidade). Antes disso toda a realidade era explicada de forma mística e mítica uma vez que por trás de quaisquer eventos (naturais, históricos) havia sempre a interferência de deuses e deusas. Quem conhece a 'Ilíada', creditada a Homero (século VIII a.C.), e a 'Teogonia' de Hesíodo (contemporâneo de Homero), percebe bem isso que estou dizendo. A propósito, os deuses gregos eram antropomórficos (antropos = homem; morfos = forma) e a única diferença entre eles e os homens é que os deuses moravam no Olimpo (o 'céu' grego) e eram imortais (não eram eternos). A propósito, Xenófanes, (576 a.C.- 480 a.C.) fundador da Escola de Eléa, denunciou o antropormorfismo dos deuses mitológicos dizendo que 'se os bois, os cavalos, os leões tivessem mãos e pudessem pintar como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, em suma, imagens análogas às de todas as espécies animais'; e diz ainda: 'Os Etíopes dizem de seus deuses que têm nariz chato e são negros, os Trácios que têm olhos azuis e os cabelos vermelhos', etc. É a partir de Tales que vai começar a longa jornada do pensamento humano na tentativa de explicação da realidade utilizando aquilo que nos faz de fato humanos: a faculdade da razão. O que se procurava era um 'princípio primeiro' de toda a realidade. Tales e os demais filósofos pré-socráticos que o sucederam ficaram conhecidos como os filósofos da phisys - ou da natureza - pois era na natureza, entendida como cosmologia, que eles focavam sua atenção. Aqui está acontecendo um importante salto qualitativo no conhecimento humano: a passagem da fase místico-mítica para a fase racional da consciência humana... Ufa!" Envie sua Migalha