Espiritualizar o Judiciário 19/5/2008 Adauto Suannes "Deu no Migalhas: 'O matutino mostra que embora juristas não vejam ilegalidade no fato de juízes se reunirem em associações religiosas, a questão levanta discussões.'(Migalhas 1.900 - 19/5/08 - "Espiritualizar o Judiciário" - clique aqui). 'E deu-se que um dos candidatos era padre, padre mesmo, desses de usar cruzinha dourada na lapela, que ele não tirou quando foi ser interrogado pelo presidente da banca examinadora, que por sinal era um dos mais conhecidos maçons do Tribunal, coisa que ali tem muito quase tanto quanto membros da Opus Dei ficando os juízes em dúvida se para progredirem na carreira melhor será ser falso pedreiro ou falso cristão. E o doutor fulano olha para o candidato e já vai lhe dizendo vejo que o senhor tem muito orgulho do enfeite que traz na lapela! Sem dúvida, Excelência, não tenho motivo algum para retirá-la daí e fingir que não sou o que eu sou. Mas o senhor há de convir em que a sua atividade de padre é incompatível com o exercício da magistratura. Sabe Vossa Excelência melhor do que eu que há inúmeros juízes que são pastores evangélicos, como os Almadas por exemplo que nem por isso deixam de ser juízes exemplares. Mas a coisa é diferente doutor diz o maçom assim com ar de respeito que é para botar o outro no seu devido lugar, a coisa é muitíssimo diferente porque um pastor evangélico não está subordinado a um bispo. Será? diz o sacerdote. O que o senhor quer dizer com isso? retruca o entrevistador. Eu não conheço as demais religiões basta-me conhecer a minha mas não creio ser impossível a existência de hierarquia no seio dessas outras, que tantas são elas com nomes os mais arrevesados quem haverá de conhecê-las todas? e quem garante que algumas ou muitas dessas pretensas religiões não são meros disfarces para captar dinheiro de empregadas domésticas e pais de família desempregados, com sessões de descarrego e pondo gente e mais gente em estádio de futebol, onde os míopes jogam lá no centro do gramado seus óculos comprados com tanto sacrifício para comprovarem sua fé e saírem dali enxergando perfeitamente, coisa que não sei se acontece nem quero saber. E olhe que ainda não havia ocorrido prisão de bispa nem de apóstolo com dólares dentro de Bíblia e tudo. Mas eu conheço muito bem a religião católica, torna o maçom para saber que o senhor está subordinado a um Bispo e a uma autoridade estrangeira, chefe do Estado do Vaticano, o senhor aceitaria um juiz tendo de prestar contas ao chefe de Estado que não fosse o do seu país? Mas Excelência com todo respeito até onde eu sei um juiz não presta contas a chefe de Estado nenhum, mas apenas a sua consciência, ressalvado o poder disciplinar do Egrégio Tribunal no que diz com seus desmandos deontológicos dele juiz, assim falou o candidato padre, caprichando nas palavras porque sabia que sua causa já estava desde o início perdida e ele queria cair atirando como contou depois a alguns amigos no bar da rua dos Patriotas, ali no Ipiranga. Mas vamos ao que nos interessa, vamos ao que nos interessa: sua prova escrita foi brilhante e posso lhe assegurar que o senhor não só está aprovado como passará sem a menor dúvida em primeiro lugar, mas eu preciso quer dizer a comissão precisa de que o senhor se comprometa a desligar-se da igreja católica, dita assim em minúsculas, para que formalizemos sua nomeação. Mas, Excelência, até onde meus conhecimentos de teologia me indicam, começou ele falsamente modesto, o sacramento da ordem é perpétuo não se podendo a ele renunciar, podendo quando muito ser suspenso o seu exercício conforme circunstâncias especiais. Uma das quais sendo a sua nomeação para a magistratura, meu caro sacerdote, disse o presidente da comissão enfatizando bem a condição social do outro como se isso fosse motivo de vergonha, veja só. E quem lhe garante que eu, depois de pedir a suspensão do sacramento não volte a pedir nova autorização de seu exercício depois de passados os dois anos para meu vitaliciamento, quando então só poderei ser demitido por falta grave uma delas não sendo salvo melhor juízo minhas convicções religiosas, mesmo porque o próprio e egrégio tribunal de justiça de são paulo, disse ele também em minúsculas, tem anualmente uma Páscoa da Família Forense, o que me faz supor que o catolicismo não é algo tão desprezível assim sem falar nos inúmeros crucifixos que guarnecem a sala principal de todos os fóruns de nosso Estado, Excelência. E o que o meu prezado doutor não sabe é que eu sempre fui contrário tanto à tal Páscoa, que é manifestamente inconstitucional já que privilegia uma religião em detrimento das demais bem como da presença do tal crucifixo nos fóruns, o que também é contrário ao pluralismo contido em nossa Magna Carta, meu caro sacerdote, disse o Presidente da Comissão de Concurso, aumentando o valo já aberto entre eles dois. Ao que retrucou o candidato: e que lhe parece haver juízes, e muitos, que pertencem a sociedades secretas cujos membros têm por missão fiscalizar as autoridades constituídas com poder executivo legislativo e judiciário paralelos sem que saibamos todos o que eles fazem naquelas reuniões com uniformes especiais e aventais e compassos e olho grande e sei lá mais o que? diz o candidato chutando o pau da barraca como ele vulgarmente se expressou na mencionada roda de amigos que todos riram muito daquilo porque eles também sabiam que o tal desembargador era um notório irmão de opa, como também se diz depreciativamente dos maçons. Vejo que chegamos a um impasse diz o presidente da comissão de concurso e eu não sei bem qual de nós dois cederá primeiro acrescenta ele a mentir descaradamente pois é evidente que a corda sempre arrebenta no trecho mais fino e ele sabia que a resistência de uma corrente é igual à resistência de seu elo mais fraco, não basta a ela ter todos os demais elos grossos e ele bem sabia qual era seu mais fino elo. Estou em suas mãos, Excelência, diz o candidato, eu e meu futuro e espero que me seja dado julgamento mais justo do que aquele que deram a meu líder espiritual, disse ele assim mesmo, tapa com luva de pelica como se dizia outrora quando sapato de pelica não era tão caro como é hoje, essa carestia nos mata! Tudo o que posso lhe dizer, diz o desembargador pondo-se de pé com ar paternal, é que eu não costumo lavar as mãos a não ser quando me preparo para uma refeição ou se acabei de defecar. Passe muito bem.' (Do livro Menas Verdades – Causos Forenses ou quase)" Envie sua Migalha